São Paulo, terça-feira, 29 de junho de 2004

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SALVAÇÃO DA LAVOURA

Setor obterá US$ 16,7 bi com exportações; fim da paridade cambial e bons preços externos ajudam

Agronegócio alivia a crise na Argentina

Jefferson Coppola/Folha Imagem
Gado em pastagem na cidade de Navarro, a oeste de Buenos Aires; como no Brasil, soja avança sobre área destinada à pecuária


MAURO ZAFALON
ENVIADO ESPECIAL À ARGENTINA

O agronegócio está aliviando a crise econômica argentina, uma história muito bem conhecida também pelos brasileiros. "Vivemos um momento importante e de bons rendimentos", diz Javier Urquiza, subsecretário de Economia da Secretaria de Agricultura, Ganadería, Pesca y Alimentos -o órgão correspondente ao Ministério da Agricultura brasileiro.
O desenvolvimento nesse setor pode ser visto facilmente nos números da economia. Neste ano, a agroindústria argentina obterá receitas equivalentes a US$ 16,7 bilhões com as exportações, 60% de tudo que o país vai conseguir com as vendas totais externas.
Os sinais da evolução agrícola são visíveis também nas fazendas. Os veículos antigos e malconservados vistos nas rodovias -efeito da forte crise econômica vivida pelo país nos últimos anos- contrastam com as embarreadas -mas de última geração- caminhonetes que circulam pelas fazendas.

Câmbio e preços
Os argentinos chegaram dois anos mais tarde do que os brasileiros nessa pujança agropecuária, e dois fatores foram fundamentais para esse avanço, diz Urquiza.
O primeiro é fruto da política interna. O fim da paridade de um peso por um dólar, no início de 2002, deu competitividade aos produtos argentinos. O segundo motivo são os bons momentos dos preços internacionais das commodities, que aumentaram a renda dos produtores.
A salvação dos argentinos, a exemplo do que ocorre com os brasileiros, também se deve, em grande parte, à soja, produto que está tomando o lugar de outros grãos e da pecuária. Os argentinos destinam 16,3 milhões de hectares de área agrícola para o cultivo de oleaginosas (soja, girassol etc.).
A soja já ocupa 87% dessa área. O girassol, que tinha forte presença nos campos argentinos há uma década, ocupa atualmente apenas 1,8 milhão de hectares (11% da área das oleaginosas).

Muitos tombaram
Omar Etcheverry, um produtor de Navarro, cidade localizada a 110 quilômetros a oeste de Buenos Aires, sintetiza essa mudança na agropecuária argentina. Com 56 anos, e desde os 21 na agricultura, ele diz que "hoje estamos encantados com o setor, pois vivemos um período de recuperação".
Etcheverry diz que a soja está ganhando espaço em suas terras. O girassol já não tem tanta expressão, e o milho, só nesta safra, perdeu 10% da área para a soja.
O mesmo ocorreu com a pecuária. Enquanto percorre a fazenda, o produtor pára em frente ao confinamento de gado e mostra 600 animais de apenas oito meses que estão à espera de transporte para o frigorífico.
"A ocupação das áreas de pastos por soja nos obriga a vender os animais ainda com pouca idade. Além disso, estamos abatendo muitas matrizes", acrescenta.
Mas, além da concorrência da soja, o produtor faz as contas e diz que não perde dinheiro com essa venda. Os animais pesam de 240 a 280 quilos e devem render de US$ 0,70 a US$ 0,80 por quilo.
Se esperasse mais oito meses, esses animais estariam com 480 quilos, que seriam vendidos a US$ 0,60, mas ele também teria o custo de alimentação.
A euforia de Etcheverry, no entanto, acaba ao falar do passado. "Há três anos pensei em abandonar tudo", diz. "Nós sobrevivemos -olhando para os filhos, que hoje assumem parte dos negócios-, mas muitos caíram pelo caminho devido a problemas financeiros e climáticos."
Enquanto circula pela fazenda, o produtor, que anexou áreas de seus vizinhos, fala sobre os maus momentos vividos por outros agricultores, o que os forçou a vender suas propriedades. Um especificamente impressiona Etcheverry. Tradicional produtor e forte na região, perdeu tudo e de forma muito rápida.
O segredo de Etcheverry é estar com os pés em vários barcos. É produtor de grãos, pecuarista, comprador de cereal, exportador, tem uma indústria de ração e uma concessionária de implementos agrícolas. Tudo na própria fazenda.

Efeito paralelo
O bom desempenho do agronegócio argentino puxa os outros negócios do setor. A concessionária de Etcheverry vendeu mais implementos agrícolas nos últimos seis meses do que nos seis anos anteriores, o que leva as indústrias de tratores e colheitadeiras estabelecidas no Brasil a olhar com mais carinho para o mercado argentino.
A líder nacional de colheitadeiras, a New Holland, escolheu a Argentina para o lançamento do seu mais novo projeto: a CS660.
As outras empresas com fábricas no Brasil também vêem com bons olhos o mercado argentino. A John Deere, líder na venda de colheitadeiras na Argentina (36,5% do mercado), espera confirmar essa liderança. Outra que quer ampliar as vendas para aquele país é a Agco do Brasil. Da produção de 629 unidades até maio deste ano, 60% foram para o mercado argentino.

O jornalista Mauro Zafalon viajou à Argentina a convite da New Holland


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