São Paulo, Terça-feira, 29 de Junho de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Frango Assado

BENJAMIN STEINBRUCH

Lembro bem, como se fosse hoje, os fins-de-semana em que meu pai nos levava para São Roque, não para passear, mas para visitar nossa única indústria, a Têxtil Elizabeth. Com seus sacos de fios empilhados (que sempre escalávamos), seus 27 teares manuais perfilados, as duas carreiras de amoreiras na entrada do sítio e dona Neide tomando conta da administração.
Talvez naquele momento a Elizabeth não tivesse mais do que 20 pessoas trabalhando com a gente. Era sempre motivo de alegria subir a serra no nosso Ford 51, azul claro, que tão boas memórias me trazem, parar no Frango Assado, comer uma polenta e depois correr entre os teares naquele ambiente escuro, como era comum nas fábricas de antigamente, antes de ir para o pequeno sítio comer amoras, brincar bastante.
A verdade é que eram outras épocas, muito mais difíceis do que hoje em termos de produção. A matéria-prima era rara, o equipamento, obsoleto, o mercado, muito pequeno, a tecnologia quase não existia, as comunicações eram muito difíceis, os serviços (inclusive o bancário) estavam começando. E havia muitas histórias das estradas de terra por onde meu pai viajava para vender tecidos, usando guarda-pó, por este Brasil afora.
Difícil imaginar, naquela época, que chegaríamos à realidade em que vivemos hoje com vantagens comparativas tremendamente favoráveis para nossos dias. Falando do setor têxtil, que está na origem do tronco-mãe de nosso grupo empresarial, a verdade é que da pequenina Elizabeth chegamos hoje a um grande parque industrial, moderno, competitivo, com enorme potencial para criar novos empregos e estimular novos investimentos, tudo tendo sempre como alvo a concorrência internacional.
Hoje o setor tem múltiplas escolhas com relação à matéria-prima, todas geradas no Brasil. Temos mão-de-obra altamente qualificada, com índices de produtividade que, quando comparados com os de fora, assombram pela qualidade. Temos mercado crescente, capacidade empreendedora de nossos industriais, enfim, tudo de melhor e condições gerais mais fáceis do que nos tempos pioneiros lá de trás.
Acabamos de terminar a semana da Fenit/Fenatec, em que prevaleceu ótimo nível de negócios, fazendo-nos lembrar de quando as pequenas feiras eram um marco para todos no setor. Lá no Anhembi a exposição foi um sucesso. Eram a 48ª Feira International da Indústria Têxtil e a 38ª Feira International de Tecelagem.
Estamos longe daquelas festas que Caio de Alcantara Machado inventou lá no Pavilhão do Ibirapuera e que, rapidamente, se tornaram grandes êxitos para o setor e para o grande público, com desfiles, shows, uma coisa! Agora a feira conjunta é só para profissionais, ganhou projeção internacional e a sua eficácia está provada pela presença de 600 estandes de expositores e mais de 50 mil profissionais visitantes.
A direção da feira, ao final do evento, falou à imprensa, salientando que o setor faturou cerca de R$ 21 bilhões em 1998 e que espera crescer 5% em 1999, fugindo das ameaças da recessão. O crescimento está sendo favorecido pela ampliação das exportações e pela substituição de produtos importados. Outro dado: os investimentos no setor nos últimos 5 anos foram superiores a US$ 6 bilhões, e outros US$ 6 bilhões estão previstos para os próximos cinco anos, completando a modernização e ampliação do parque fabril.
O que nos falta então para fazer do setor têxtil um grande pólo do novo desenvolvimento brasileiro? Onde a coisa pega? Na minha opinião, na falta de proximidade e diálogo do governo com os industriais e vice-versa. Não no sentido da crítica, da busca de culpados, da disputa, mas na análise conjunta do esforço que tem que ser feito para nos igualarmos a países mais adiantados, com estruturas produtivas mais maduras e já enraizadas nos mercados do Primeiro Mundo.
Podemos observar e copiar muita coisa boa no primeiro momento, sem ter o trabalho de aperfeiçoar, dada a garantia de sucesso. Quando, no passado, trazíamos qualquer novidade lá de fora para nossa indústria, meu pai, Mendel Steinbruch, sempre dizia: "Não precisa melhorar, vamos tentar fazer igual, que vai dar certo".
No segundo momento temos que analisar nosso modelo, reconhecer suas fraquezas, valorizar nossas qualidades, buscar sinergias e acreditar na nossa criatividade. É que devemos desenvolver uma proposta que, partindo de condições iguais às das grandes economias, nos permita disputar emprego a emprego, capital a capital, investimento a investimento, nesse complicado jogo de mercados, dinheiro e interesses que é a economia globalizada.
Não temos mais o Ford Azul 51, nem as amoreiras, nem a polenta, nem os 20 empregados e 27 teares manuais que nos fizeram chegar até aqui. As nossas realidades, a do grupo e a do país, são muito, muito melhores do que naquela época. Com otimismo, determinação e muito trabalho, a lembrança do Frango Assado continuará motivando a muitos que já viveram e outros que viverão a mesma história, se Deus quiser.


Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br


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