São Paulo, segunda-feira, 29 de julho de 2002

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FOLHA INVEST

Instituições derrubam valor de papéis e recompram na baixa

Banco especula e lucra com aluguel de ações na Bolsa

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

A crise de volatilidade que abala as Bolsas mundiais encontrou na Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) um terreno fértil para se desenvolver. Nos últimos dois anos a Bolsa paulista vem sendo corroída pelo crescimento das vendas de ações a descoberto praticadas pelas mesas de operações das tesourarias de grandes bancos nacionais e estrangeiros.
Essas operações, altamente especulativas, são feitas com ações que os bancos alugam de outros investidores. No primeiro semestre, o mercado de aluguel de ações movimentou R$ 800 milhões, o dobro de dois anos atrás. As vendas de ações alugadas pelos bancos, em geral, são casadas com outras operações no mercado futuro da BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros).
O negócio é armado da seguinte forma: o operador do banco compra contratos futuros de Ibovespa (Índice da Bolsa de Valores), apostando na queda do índice; vende no mercado à vista as ações alugadas -derrubando os preços e o índice- e recompra as ações na baixa, ganhando nas duas operações. Em seguida, devolve as ações que alugou ao seu proprietário, pagando uma taxa de 4% a 5% ao ano sobre o valor do papel no dia do aluguel.
Wagner Anacleto, gerente de riscos da CBLC (Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia), diz que em dois anos dobrou o número de operações e de participantes no mercado de aluguel de ações. A CBLC é a câmara de liquidação da Bovespa, responsável pelo banco de títulos em que são oferecidas ações para aluguel.
"Essas operações estão drenando recursos do mercado de capitais para os bancos, que conseguem captar dinheiro barato e repassar a juros altos para empresas e consumidores", diz Paulo Possas, que trabalha no mercado financeiro há 30 anos e hoje dirige a Eagle Capital, uma administradora de carteiras de investimentos.
Segundo Possas, quem comanda os pregões atualmente são as tesourarias de bancos. Dados da Bovespa mostram que as instituições financeiras respondem hoje por 32,5% do volume negociado nos pregões. Detêm a maior fatia.
"Esses investidores criam uma volatilidade [oscilação" absurda no mercado para ganhar margens mínimas. Em um dia muito bom, uma mesa de operações de um grande banco tem um lucro de R$ 15 mil", diz Possas. Em um ano, ele calcula que um desses bancos pode obter um lucro de R$ 3,5 milhões com as vendas a descoberto.

Gangorra
Em um mercado exangue -os volumes negociados no primeiro semestre deste ano caíram 23,2% em relação a igual período do ano passado-, esse tipo de negócio é considerado danoso. Segundo Álvaro Bandeira, diretor da Corretora Ágora, as operações a descoberto agravam a tendência de queda da Bolsa e geram muita volatilidade (oscilação de preços). Acrescida da volatilidade externa, que vem dos EUA e da Europa, a Bolsa paulista virou uma gangorra perigosa para o investidor.
"À medida que o mercado encolhe, aumentam a margem de manipulação de alguns grandes investidores sobre o mercado e as operações de curto prazo com ganhos mínimos", diz Eduardo Fonseca, diretor da Corretora Souza Barros.
Segundo Fonseca, quanto menor o mercado, mais nas mãos de especialistas -gente que vive de aplicar na Bolsa- ele fica. É o que acontece atualmente. Por isso os analistas recomendam que o investidor individual só entre em Bolsa agora se for para buscar ganhos de longo prazo. "A atuação desses especialistas afeta as tendências de curto prazo, aumentando o risco. Mas, no longo prazo, o que prevalece são os fundamentos das empresas", diz.
Ele recomenda que o investidor pessoa física, que hoje já representa 18% do volume de negócios da Bovespa, busque ações de companhias sólidas, com expectativas de bons resultados, capitalizadas e com endividamento baixo. Uma opção, de acordo com ele, são os papéis das empresas exportadoras.

Espumas flutuantes
Outra opção, de maior risco, são as ações mais "agressivas", aquelas que têm muita liquidez (facilidade de negociação), como as da Eletrobrás, Petrobras, Brasil Telecom e Telemar, cujos preços caíram muito. "Assim que o mercado acalmar lá fora, esses papéis devem se recuperar", diz.
Já Paulo Possas é categórico. "A Bolsa, hoje, não é para investidor pequeno e médio. Ela tem mais espuma, isto é, giro, do que cerveja." Segundo ele, em um dia que a Bolsa movimenta R$ 500 milhões, por exemplo, apenas R$ 75 milhões são vendas e compras finais, isto é, dinheiro novo que entrou ou saiu. "O resto é espuma."


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