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FUNDO EM TRANSE
Análise interna diz que organismo falhou na crise de 99, mas responsabiliza país por falta de transparência
FMI admite erros com Brasil, mas culpa FHC
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
O FMI (Fundo Monetário Internacional) divulgou ontem relatório apontando uma série de erros
e avaliações equivocadas cometidas pelo órgão no acompanhamento da crise cambial brasileira
em 1998-99.
O mea-culpa é acompanhado
de críticas à gestão da equipe econômica do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e ao fato de
o Brasil ser um dos poucos países
emergentes a negar a divulgação
completa de dados ao mercado
internacional via FMI.
O documento foi elaborado pelo Independent Evaluation Office
(IEO), órgão que, embora independente da gerência do Fundo, é
uma extensão do seu comitê executivo. O caso do Brasil é analisado em conjunto com as crises
cambiais da Indonésia (1997-98) e
da Coréia do Sul (1997-98).
As principais conclusões no caso brasileiro são que o FMI falhou
ao apontar as vulnerabilidades do
Plano Real -principalmente em
relação ao aumento da dívida interna brasileira-, demonstrou
um otimismo infundado com o
sistema de câmbio fixo, produziu
relatórios e avaliações que não
eram ""francas" e errou ao não recomendar, já em meados de 1998,
a flutuação do câmbio.
Em janeiro de 1999, o Brasil
abandonou o sistema de bandas
cambiais que vigorava desde o
início do Plano Real (julho de
1994) e o real fechou aquele ano
com uma desvalorização superior
a 40% em relação ao dólar.
O FMI responsabiliza o governo
brasileiro por ter mantido políticas fiscais e monetárias ""frouxas"
entre o lançamento do Plano Real
e a desvalorização cambial e por
não ter pressionado politicamente o Congresso a aprovar as reformas estruturais (previdenciária e
tributária, principalmente) de
que o país precisaria.
""A supervisão do FMI foi bem-sucedida ao identificar as vulnerabilidades-chave que estavam no
centro da crise. Progressivamente, no entanto, (o Fundo) minimizou a escala da supervalorização
(do real diante do dólar) e teve
pouco impacto em persuadir as
autoridades brasileiras a adotar
ações corretivas até mesmo em
áreas onde o diagnóstico estava
correto", diz trecho do relatório.
O FMI afirma que, logo no início do Plano Real, alertou o Brasil
sobre os riscos de uma valorização exagerada da moeda brasileira. ""Mas ao final de 1996 houve
uma tendência de minimizar esses riscos, possivelmente em resposta a uma série de argumentos
de autoridades brasileiras que
afirmavam que a valorização podia ser considerada moderada",
diz o documento.
""Os relatórios produzidos pela
equipe do Fundo eram tipicamente menos francos, mas ressaltavam o fato de que um grande
déficit em conta corrente e pesados compromissos com a amortização de dívidas deixavam o Brasil vulnerável diante de mudanças
de sentimentos dos investidores.
Mesmo assim, o FMI se mostrou
geralmente mais otimista do que
o próprio setor privado (brasileiro)", diz o documento.
Em outro trecho, é o FMI quem
critica o fato de o governo brasileiro não ter mantido elevadas,
por mais tempo, as taxas de juro
em 1998, a fim de sustentar uma
política fiscal mais rigorosa que
desse sustentação ao Plano Real.
""Os compromissos do presidente [FHC] estavam submetidos
a várias considerações políticas.
Círculos industriais poderosos
pressionavam por uma redução
dos juros, pelo abandono do sistema de câmbio fixo e por uma política mais "desenvolvimentista"."
Como consequência da crise
que levou à desvalorização no início de 99, diz o documento, ""a credibilidade do FMI foi claramente
afetada pela rápida falência de um
dos elementos centrais do programa de estabilização".
""Em retrospecto", diz o relatório, ""o FMI deveria ter encorajado
uma saída do regime de câmbio
fixo em um momento oportuno.
Isso teria sido mais consistente
com as mensagens que emergiam
do próprio Fundo".
O documento lembra que, desde o início, o Fundo optou por
não apoiar o lançamento do Plano Real por acreditar que o ajuste
fiscal proposto era ""insuficiente".
No lugar de um plano completo,
estabeleceu visitas periódicas a
cada seis meses ao país, nas quais
não teve uma função crítica.
""O fato de [o FMI] não ter optado por um programa formal afetou adversamente o relacionamento entre autoridades brasileiras e o Fundo e reduziu o impacto
das recomendações do Fundo."
O FMI diz ainda que as autoridades brasileiras se mostraram
""relutantes em divulgar informações sensíveis ao mercado financeiro" e critica o país por negar-se,
até hoje, a autorizar a divulgação
do relatório apresentado pelos
técnicos da instituição à diretoria
executiva do FMI (o chamado
"Staff Report"). Nesse relatório, o
Fundo debate, sem restrições, as
vulnerabilidades das economias
de seus países membros.
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