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São Paulo, terça-feira, 29 de julho de 2003

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FUNDO EM TRANSE

Análise interna diz que organismo falhou na crise de 99, mas responsabiliza país por falta de transparência

FMI admite erros com Brasil, mas culpa FHC

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

O FMI (Fundo Monetário Internacional) divulgou ontem relatório apontando uma série de erros e avaliações equivocadas cometidas pelo órgão no acompanhamento da crise cambial brasileira em 1998-99.
O mea-culpa é acompanhado de críticas à gestão da equipe econômica do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e ao fato de o Brasil ser um dos poucos países emergentes a negar a divulgação completa de dados ao mercado internacional via FMI.
O documento foi elaborado pelo Independent Evaluation Office (IEO), órgão que, embora independente da gerência do Fundo, é uma extensão do seu comitê executivo. O caso do Brasil é analisado em conjunto com as crises cambiais da Indonésia (1997-98) e da Coréia do Sul (1997-98).
As principais conclusões no caso brasileiro são que o FMI falhou ao apontar as vulnerabilidades do Plano Real -principalmente em relação ao aumento da dívida interna brasileira-, demonstrou um otimismo infundado com o sistema de câmbio fixo, produziu relatórios e avaliações que não eram ""francas" e errou ao não recomendar, já em meados de 1998, a flutuação do câmbio.
Em janeiro de 1999, o Brasil abandonou o sistema de bandas cambiais que vigorava desde o início do Plano Real (julho de 1994) e o real fechou aquele ano com uma desvalorização superior a 40% em relação ao dólar.
O FMI responsabiliza o governo brasileiro por ter mantido políticas fiscais e monetárias ""frouxas" entre o lançamento do Plano Real e a desvalorização cambial e por não ter pressionado politicamente o Congresso a aprovar as reformas estruturais (previdenciária e tributária, principalmente) de que o país precisaria.
""A supervisão do FMI foi bem-sucedida ao identificar as vulnerabilidades-chave que estavam no centro da crise. Progressivamente, no entanto, (o Fundo) minimizou a escala da supervalorização (do real diante do dólar) e teve pouco impacto em persuadir as autoridades brasileiras a adotar ações corretivas até mesmo em áreas onde o diagnóstico estava correto", diz trecho do relatório.
O FMI afirma que, logo no início do Plano Real, alertou o Brasil sobre os riscos de uma valorização exagerada da moeda brasileira. ""Mas ao final de 1996 houve uma tendência de minimizar esses riscos, possivelmente em resposta a uma série de argumentos de autoridades brasileiras que afirmavam que a valorização podia ser considerada moderada", diz o documento.
""Os relatórios produzidos pela equipe do Fundo eram tipicamente menos francos, mas ressaltavam o fato de que um grande déficit em conta corrente e pesados compromissos com a amortização de dívidas deixavam o Brasil vulnerável diante de mudanças de sentimentos dos investidores. Mesmo assim, o FMI se mostrou geralmente mais otimista do que o próprio setor privado (brasileiro)", diz o documento.
Em outro trecho, é o FMI quem critica o fato de o governo brasileiro não ter mantido elevadas, por mais tempo, as taxas de juro em 1998, a fim de sustentar uma política fiscal mais rigorosa que desse sustentação ao Plano Real.
""Os compromissos do presidente [FHC] estavam submetidos a várias considerações políticas. Círculos industriais poderosos pressionavam por uma redução dos juros, pelo abandono do sistema de câmbio fixo e por uma política mais "desenvolvimentista"."
Como consequência da crise que levou à desvalorização no início de 99, diz o documento, ""a credibilidade do FMI foi claramente afetada pela rápida falência de um dos elementos centrais do programa de estabilização".
""Em retrospecto", diz o relatório, ""o FMI deveria ter encorajado uma saída do regime de câmbio fixo em um momento oportuno. Isso teria sido mais consistente com as mensagens que emergiam do próprio Fundo".
O documento lembra que, desde o início, o Fundo optou por não apoiar o lançamento do Plano Real por acreditar que o ajuste fiscal proposto era ""insuficiente". No lugar de um plano completo, estabeleceu visitas periódicas a cada seis meses ao país, nas quais não teve uma função crítica.
""O fato de [o FMI] não ter optado por um programa formal afetou adversamente o relacionamento entre autoridades brasileiras e o Fundo e reduziu o impacto das recomendações do Fundo."
O FMI diz ainda que as autoridades brasileiras se mostraram ""relutantes em divulgar informações sensíveis ao mercado financeiro" e critica o país por negar-se, até hoje, a autorizar a divulgação do relatório apresentado pelos técnicos da instituição à diretoria executiva do FMI (o chamado "Staff Report"). Nesse relatório, o Fundo debate, sem restrições, as vulnerabilidades das economias de seus países membros.


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