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São Paulo, terça-feira, 29 de julho de 2003

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RODADA COMERCIAL

Diretor-geral da instituição quer posições menos rígidas

OMC pede flexibilidade até do Brasil

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MONTRÉAL

O pânico ante a perspectiva de que fracasse a Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio marcada para setembro, em Cancún, fez o diretor-geral da instituição, o tailandês Supachai Panitchpakdi, lançar um apelo para que "a negociação comece de fato", em meio a sugestões para que todos os países, inclusive os em desenvolvimento, mostrem "flexibilidade".
O Brasil, pela voz de seu ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, não só rejeita o apelo como ameaça: se não houver liberalização agrícola, não haverá a Rodada Doha, decidida na mais recente Conferência Ministerial da OMC (2001, na capital do Qatar).
Rodrigues sugeriu tal posição ontem, em reunião com nove dos 16 países que compõem o Grupo de Cairns (grandes produtores e exportadores agrícolas). Foi aprovada, mas convém tomar cuidado: o grupo tem um histórico de radicalização verbal que, na prática, não se materializa.
O brasileiro sugeriu que se desse nota, de zero a cinco, para a expectativa sobre avanços na área agrícola até Cancún: a média foi dois, superior ao que ele esperava.
A reunião do Grupo de Cairns foi paralela à Miniministerial de Montréal, a última tentativa de aplainar o caminho para evitar o fracasso de Cancún. Agricultura é o tema predominante.
"Agricultura é a chave aqui em Montréal", diz Panitchpakdi. Reforça o ministro de Comércio canadense, Pierre Pettigrew: "A reforma da agricultura será a prioridade. Os países em desenvolvimento deixaram isso claro".
Quem bloqueia a negociação agrícola são os países ricos, em especial União Européia e Estados Unidos, com seus portentosos subsídios aos produtores rurais.
Mas tanto Panitchpakdi como Pettigrew trataram ontem de cobrar flexibilidade também dos países em desenvolvimento. "Todos devem demonstrar flexibilidade, em vez de ficar apenas enfatizando suas posições", disse o canadense.
Reforça o diretor-geral da OMC: "Os países-membros devem mostrar mais flexibilidade e estar preparados para aceitar fazer concessões".
Os apelos à flexibilidade revelam na prática o temor de que nem a Europa nem os EUA estejam preparados para derrubar ou ao menos diminuir o protecionismo agrícola que praticam.
Se o temor se materializar, não haverá avanço em nenhuma outra área, das inúmeras que compõem a chamada Agenda Doha de Desenvolvimento, que, a rigor, engloba tudo o que o ser humano produz e pode ser comercializado entre fronteiras. Nos 18 meses entre Doha e Montréal pouco se avançou nas negociações, em especial no setor agrícola.

Plano B
Por isso, a Folha perguntou a Panitchpakdi se, faltando apenas duas semanas para Cancún, ele não estava pensando em um plano B, na forma de uma agenda mais modesta ou de novo prazo para concluir a rodada (o original é 2005). "Não esgotamos o plano A", responde o diretor-geral.
Mas o próprio Panitchpakdi, em outros momentos da entrevista de ontem, deixou claro que o plano A está perto de fazer água.
"Montréal é crucial para dar a partida no processo negociador, fornecer orientações e dizer quão longe podemos ir em certos assuntos. Só assim, nas duas semanas úteis que restam até Cancún, pode ser feito o correto trabalho preparatório", afirma.
Apesar dos pedidos de flexibilidade a todos, a pressão em Montréal estará centrada nos EUA, como a Folha antecipou domingo.
Acontece que a União Européia anunciou mudanças na sua política agrícola -limitadas e de resultado ainda incerto, mas mudanças de toda forma.
"A reforma anunciada pelos europeus nos encoraja", diz Pettigrew, deixando claro que espera uma reação norte-americana na direção de concessões amplas.
Mas o ministro canadense responsabiliza também a UE pelo avanço ou não em Montréal: "Os Estados Unidos e a União Européia têm impressionante poder econômico, o que carrega consigo a responsabilidade política de mostrar liderança".
Pettigrew diz que as duas superpotências comerciais não podem simplesmente reproduzir o acordo de Blair House, que desbloqueou a Rodada Uruguai (1986/ 94), a etapa de liberalização comercial que antecedeu a de Doha.
O tema também era agricultura, mas o acordo entre os grandes prejudicou os países em desenvolvimento, que até hoje cobram a liberalização agrícola.
Se houver acordo na área agrícola e não for apenas para beneficiar os grandes, o "resto pode entrar nos eixos de forma relativamente fácil e rápida", imagina Pettigrew.


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