São Paulo, Quinta-feira, 29 de Julho de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Juros internos e desequilíbrio externo

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Segundo a explicação mais comum, os juros são excepcionalmente elevados no Brasil porque os investidores e credores, assustados com o déficit público, exigem alta remuneração para ficar com os títulos do governo. No artigo da semana passada, procurei sugerir que essa explicação não é muito convincente e leva a conclusões paradoxais.
Como o governo tem produzido significativo superávit nas suas contas primárias (exclusive juros) em 1999, o déficit fiscal resulta basicamente das altas taxas de juro praticadas pelo Banco Central (BC), que elevam o custo da dívida interna do setor público. O déficit é mais efeito do que causa dos juros altos.
Fica então a pergunta: o que impede o BC de praticar juros mais normais? Seriam os riscos e incertezas associados à flutuação cambial? Defensores da dolarização e do "currency board" alegam que a maneira mais eficaz de derrubar os juros é abandonar a moeda nacional ou subordiná-la a uma moeda estrangeira forte.
Essa resposta também não é convincente. Nos anos 90, diversos países foram forçados por violentos ataques especulativos a abandonar a ancoragem cambial. Foi o caso do México em fins de 1994, da Tailândia, das Filipinas, da Indonésia e da Coréia do Sul em 1997 e da Rússia em 1998. Todos eles passaram para um regime de flutuação da taxa de câmbio, como fez o Brasil em janeiro de 1999.
Pois bem. Nenhum deles pratica taxas de juro reais remotamente comparáveis às do Brasil.
Será que o nosso BC não baixa os juros por medo de provocar inflação? É verdade que o Brasil tem uma tradição inflacionária mais poderosa do que a dos países acima citados. Mas, com a economia tão deprimida e as taxas de desemprego tão altas, é pouco provável que a reativação da demanda agregada provoque aumento da inflação no curto e mesmo no médio prazo.
No meu entender, a principal restrição a uma redução mais acentuada dos juros ainda é o setor externo.
É claro que a forte desvalorização cambial ocorrida em 1999, à revelia dos planos do governo, melhora as perspectivas para as contas externas brasileiras no médio prazo. Com o passar do tempo, os efeitos da desvalorização vão aparecer com mais clareza, contribuindo para diminuir de forma significativa o déficit externo em conta corrente.
Mas a superação da fragilidade externa não se fará de forma rápida. A conjuntura internacional continua adversa. As contas brasileiras sofrem os efeitos da retração do comércio internacional, da deterioração dos nossos termos de troca e da escassez de crédito externo.
O mais importante, entretanto, é notar que o Brasil não vai superar de uma hora para outra o legado das políticas irresponsáveis dos últimos anos. Isso por vários motivos.
Primeiro: depois de quatro anos e meio de sobrevalorização cambial, os setores que exportam e os que concorrem com importações no mercado interno vão demorar algum tempo para se reorganizar e reagir plenamente ao estímulo proporcionado pela desvalorização. Perder mercados é mais fácil do que reconquistá-los.
Segundo: os déficits externos acumulados desde 1995 levaram a uma grande ampliação dos passivos internacionais do país. Em consequência, o balanço de pagamentos em conta corrente ficou sobrecarregado por pesadas remessas de juros, lucros e dividendos.
Terceiro: existem também vulnerabilidades na conta de capitais do balanço de pagamentos. Como não tivemos uma política prudente de administração do perfil do endividamento externo, há uma carga pesada de amortizações da dívida, cujo refinanciamento nem sempre é tranquilo. Além disso, dado que inexiste um controle suficientemente rigoroso sobre a movimentação financeira, há o risco de saídas abruptas de capitais, inclusive de residentes, em momentos de turbulência interna ou externa.
Por esses e outros motivos, a política de juros continua condicionada à restrição externa. Esse condicionamento não é absoluto. Há espaço para continuar reduzindo os juros gradativamente. Contudo uma diminuição mais substancial, compatível com a retomada do crescimento, fica na dependência de maiores avanços no campo das contas externas.
O potencial de crescimento da economia brasileira é imenso. Mas não poderá ser aproveitado plenamente, enquanto o governo e o BC não conferirem prioridade zero à redução das vulnerabilidades externas do país.


Paulo Nogueira Batista Jr., 44, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net


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