São Paulo, quarta-feira, 29 de agosto de 2007

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PAULO RABELLO DE CASTRO

A crise e as agências de risco

A falha das agências deve ser compartilhada pelos que não enxergaram a condução da política monetária dos EUA

QUANDO ALGO vai muito mal, é difícil que o prejulgamento popular se concentre nas causas maiores, em geral obscuras, de uma derrota ou de uma tragédia.
A mente humana, conduzida pela emoção, prefere sempre uma causa próxima, se possível de carne e osso. No acidente da TAM, nossa compreensível emoção tem buscado esse "culpado". Já no episódio da crise atual dos mercados, o pino travado do reverso seriam as hipotecas "subprime", cujo alto risco as agências de "rating" não teriam detectado e analisado bem.
Ao longo de décadas, as agências de risco têm sido capazes de avaliar, com bastante precisão, as chances de calote ao nível empresarial ou microeconômico. Há valor nesse trabalho, tanto que os mercados pagam por suas análises. Quando, entretanto, toda a macroeconomia se mexe ao mesmo tempo, é como se fosse uma dança com facas na escuridão. A avaliação do risco das hipotecas americanas possivelmente estaria correta desde que os outros riscos não se movessem em conjunto. O instrumental para avaliar crises gerais ainda é falho. A crise asiática, de 1997, não foi bem detectada; passaram ao largo do calote russo e da crise subseqüente da corretora LTCM, no ano seguinte; poucos viram o "tsunami" do México, em 94, e o da Argentina, em 2001. Esta última quebrou com um "rating" superior ao atribuído ao Brasil, que não quebrou.
No caso atual dos créditos "subprime", por trás do evidente equívoco no cálculo das estreitas "margens de sobrecolaterização" exigidas nas transações está escondido algo muito pior e bem anterior: a decisão do Fed americano (leia-se, Alan Greenspan) de reduzir para 1% a taxa básica de juros nos Estados Unidos, do que resultou um impulso consumidor insustentável das famílias americanas, ao qual se somou o déficit da guerra do governo George W. Bush.
Em novembro passado, o ex-secretário do Tesouro Robert Rubin alertava de que os "déficits (gêmeos) constituem uma grave ameaça" à saúde dos Estados Unidos e à economia mundial. Ficou falando sozinho, naquele momento, diante da euforia dos mercados mundiais.
Rubin é um excelente "classificador de riscos" de natureza macroeconômica. Seu comentário de advertência, como o de tantos outros, não produziu mudança de rumo, quando todos os interesses especulativos apontavam noutra direção. Agora que a crise sobreveio, choca pela agressividade e pelas perdas infligidas, produzindo as mudanças de ótica até então adiadas.
Por isso, a falha de avaliação das agências de risco, tão criticada até por professores Nobel de Economia, deve ser compartilhada por todos os que não enxergaram a condução da política monetária dos Estados Unidos, inclusive os atuais críticos do leite já derramado.
O excesso de liquidez americano, que trouxe o delírio aos mercados, com a expansão de 5% anuais do PIB (Produto Interno Bruto) mundial e de 10% na China, agora cobra a conta, de baixo para cima, na pirâmide social dos Estados Unidos. Fenômeno bem mais complexo do que os radares convencionais das agências de risco poderiam ter detectado. Agora, o novo risco macro é a deflação de preços de commodities e a recessão.
Controlá-lo é o desafio do Fed e do seu novo presidente, Ben Bernanke.
Os brasileiros estamos no rabo do tubarão. Como diria o conhecido bordão: "É a macroeconomia, estúpido!".


PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

rabellodecastro@uol.com.br


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