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PAULO RABELLO DE CASTRO
A crise e as agências de risco
A falha das agências deve ser
compartilhada pelos que não
enxergaram a condução da
política monetária dos EUA
QUANDO ALGO vai muito mal, é
difícil que o prejulgamento
popular se concentre nas
causas maiores, em geral obscuras,
de uma derrota ou de uma tragédia.
A mente humana, conduzida pela
emoção, prefere sempre uma causa
próxima, se possível de carne e osso.
No acidente da TAM, nossa compreensível emoção tem buscado esse "culpado". Já no episódio da crise
atual dos mercados, o pino travado
do reverso seriam as hipotecas
"subprime", cujo alto risco as agências de "rating" não teriam detectado e analisado bem.
Ao longo de décadas, as agências
de risco têm sido capazes de avaliar,
com bastante precisão, as chances
de calote ao nível empresarial ou
microeconômico. Há valor nesse
trabalho, tanto que os mercados pagam por suas análises. Quando, entretanto, toda a macroeconomia se
mexe ao mesmo tempo, é como se
fosse uma dança com facas na escuridão. A avaliação do risco das hipotecas americanas possivelmente estaria correta desde que os outros
riscos não se movessem em conjunto. O instrumental para avaliar crises gerais ainda é falho. A crise asiática, de 1997, não foi bem detectada;
passaram ao largo do calote russo e
da crise subseqüente da corretora
LTCM, no ano seguinte; poucos viram o "tsunami" do México, em 94,
e o da Argentina, em 2001. Esta última quebrou com um "rating" superior ao atribuído ao Brasil, que não
quebrou.
No caso atual dos créditos "subprime", por trás do evidente equívoco no cálculo das estreitas "margens
de sobrecolaterização" exigidas nas
transações está escondido algo muito pior e bem anterior: a decisão do
Fed americano (leia-se, Alan
Greenspan) de reduzir para 1% a taxa básica de juros nos Estados Unidos, do que resultou um impulso
consumidor insustentável das famílias americanas, ao qual se somou o déficit da guerra do governo
George W. Bush.
Em novembro passado, o ex-secretário do Tesouro Robert Rubin
alertava de que os "déficits (gêmeos) constituem uma grave ameaça" à saúde dos Estados Unidos e à
economia mundial. Ficou falando
sozinho, naquele momento, diante
da euforia dos mercados mundiais.
Rubin é um excelente "classificador
de riscos" de natureza macroeconômica. Seu comentário de advertência, como o de tantos outros, não
produziu mudança de rumo, quando todos os interesses especulativos
apontavam noutra direção. Agora
que a crise sobreveio, choca pela
agressividade e pelas perdas infligidas, produzindo as mudanças de
ótica até então adiadas.
Por isso, a falha de avaliação das
agências de risco, tão criticada até
por professores Nobel de Economia, deve ser compartilhada por todos os que não enxergaram a condução da política monetária dos Estados Unidos, inclusive os atuais
críticos do leite já derramado.
O excesso de liquidez americano,
que trouxe o delírio aos mercados,
com a expansão de 5% anuais do PIB
(Produto Interno Bruto) mundial e
de 10% na China, agora cobra a conta, de baixo para cima, na pirâmide
social dos Estados Unidos. Fenômeno bem mais complexo do que os radares convencionais das agências de
risco poderiam ter detectado. Agora,
o novo risco macro é a deflação de
preços de commodities e a recessão.
Controlá-lo é o desafio do Fed e do
seu novo presidente, Ben Bernanke.
Os brasileiros estamos no rabo do
tubarão. Como diria o conhecido
bordão: "É a macroeconomia, estúpido!".
PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia
pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do
Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora
de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria
econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da
Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br
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