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LUÍS NASSIF
O "gordinho sinistro"
Quando o advogado Saulo Ramos tornou-se consultor-geral da
República, o homem que fazia as
leis do governo José Sarney, meti-me numa polêmica feroz com ele,
um rolo dos diabos.
De minha parte, o episódio era
um laboratório para entender como se formava o poder nesse país,
assistir -com olhos treinados pelo processo- como se faziam leis,
naquele início de redemocratização. Estava nesse tiroteio quando
me passaram a dica de procurar
um velho personagem político, o
Bartolomeu Santos, senhor solteiro, sexagenário, pernambucano,
que muito jovem havia sido chefe
de gabinete do governador Agamenon Magalhães, mudara-se
para o Rio, fizera parte do grupo
de Negrão de Lima e atravessara
sucessivos governos -inclusive
com ligações com a linha-dura de
Médici.
Apesar de ser de direita, como se
dizia, o velho Bartô encantara os
jovens militantes do movimento
estudantil dos anos 60 -entre
eles Eros Grau, Beluzzo, Serra e
outros- trazendo em primeira
mão as fofocas do centro do poder. Não daquele poder aparente,
de políticos que votam sem saber
o quê, e até chegam a cargos importantes sem entender, nem de
empresários endinheirados, mas
bobinhos, nem aquele deslumbramento que acometia os provisoriamente poderosos -como os
que me processavam-, mas o
poder de fato da República, aquele que conhece os meandros da
decisão, que coloca as pessoas nos
lugares-chave e articula as ligações entre interesses empresariais,
políticos e a máquina.
Eram aqueles que, governo após
governo, controlavam a máquina.
A partir dele penetrei nesse
mundo, conheci velhos personagens dos anos 50, já afastados da
política, outros ainda atuantes.
Desse conjunto de informações
foi possível identificar o pai de todos, o mais influente lobista que o
país conheceu, Augusto Frederico
Schmidt, poeta e empresário, que
tinha por hábito botar apelido em
todo mundo, e que foi apelidado
por Gondim da Fonseca -brilhante panfletário de esquerda-
de "gordinho sinistro".
Era figura complexa, que exercia enorme influência sobre JK
-período em que seu poder atingiu o apogeu, quando conseguiu
convencer o presidente a comandar uma ofensiva diplomática
contra os Estados Unidos, na famosa Operação Panamericana
(OPA), sobre a qual falo outro
dia.
A influência devia-se a uma
imaginação poderosa, temerária
até, um texto eficiente, um relacionamento ferozmente ciumento
com os amigos e uma linguagem
absolutamente desbocada, que
fazia as delícias de JK. Schmidt
costumava esculhambá-lo em público.
- Você é irresponsável - gritava-lhe. E Sara pior ainda, por causa
das futilidades.
JK divertia-se, mas logo depois
vingava-se com o mesmo humor:
- Vou te mandar o discurso técnico do Roberto Campos para você fazer umas borboletadas.
E até que Campos já escrevia direitinho naquela época.
Spy e Spy
Schmidt descendia politicamente do pensador católico Jackson de Figueiredo, precocemente
falecido. Desiludido com a política, logo após a Revolução de 30
Jackson passou a exercitar seu
proselitismo por meio de organizações laicas, como a poderosa
Santo Ignácio.
A partir de 1937, quando teve
início a implantação efetiva do
Estado brasileiro, dos escritórios
de dois discípulos de Jackson
-Schmidt, mais à direita, San
Thiago Dantas, mais à esquerda
- saíram muitos jovens promissores, que acabariam estendendo
pela máquina pública uma rede
extensa de influência. Lá em Poços, e no resto do Brasil, a gente
ficava tomando partido de um ou
de outro grupo, mas no fundo
eram extremamente parecidos.
Só como amostra, integravam o
grupo de Schmidt do ex-seminarista Roberto Campos a Eliezer
Baptista -a mais poderosa imaginação planejadora do país. E o
misterioso Jorge Serpa, que os
amigos chamam de Lobisomem,
porque nunca mostra a cara, e
que virou o último herdeiro da
tradição de influência de
Schmidt.
O reinado de Schmidt começava de manhã na República do Peru, seu apartamento em Copacabana, onde criava um galo chinês
branco, que morava em poleiro e
tinha rabo que se arrastava até o
chão. Acordava cedo, às 5h, e ficava de robe de chambre até o almoço. Foi Schmidt quem conseguiu a TV de Roberto Marinho,
ainda no governo Jango. Aliás, o
apelido que deu a Marinho era
"Príncipe dos Mares", por sua
paixão pela pesca submarina.
Para os ricos, Schmidt se apresentava como um intelectual; para os intelectuais, como rico. Em
1922 já era intelectual atuante,
ajudando a carregar nas costas
Graça Aranha, após sua participação na Semana Modernista.
Depois, criou a Editora Schmidt,
que lançou Jorge Amado e Graciliano Ramos, entre outros.
Coube a Schmidt estabelecer as
relações entre a nova vanguarda
literária e os novos quadros econômicos. Em sua volta começaram a se reunir quadros brilhantes, preocupados com os novos
tempos, como Gilberto Amado,
Edmundo da Luz Pinto e outros
frequentadores habituais das rodadas de biriba na casa de Joaquim Salles -jornalista mineiro
radicado no Rio, em cuja casa a
República ia jogar biriba.
Com o desenvolvimento da indústria de transformação, o país
passou a importar vigorosamente
produtos básicos, metalúrgicos,
químicos, que exigiam grandes
capitais. Quando Aranha foi embaixador nos Estados Unidos,
nos anos 40, Schmidt deu os primeiros passos para se transformar em importador, graças à sociedade com Lulu Aranha, irmão
de Oswaldo, e às relações com Coriolano de Góes, o todo-poderoso
burocrata que controlava o Cexim. Ganharam muito dinheiro
facilitando importações. E investiram parte grande no Botafogo
de Futebol e Regatas.
Sua história vale muitas colunas. Outro dia eu conto mais. E
quem souber que conte outra.
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