São Paulo, Domingo, 29 de Agosto de 1999
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CRÉDITO
Ex-presidente do BC teme falso otimismo com uma queda rápida
Juro baixo no crediário ainda deverá demorar

da Redação

Há uma grande expectativa em torno da queda mais consistente dos juros nas operações de crédito, o que ajudaria a recuperação da economia. Mas, ainda que a taxa básica caia mais alguns pontos em poucos meses, dificilmente o consumidor terá à disposição empréstimos a custos civilizados.
Entre as taxas básicas da economia, aquelas que servem de parâmetro para as aplicações (a taxa Selic, dos títulos públicos, e o CDI, do juro interbancário), e os juros cobrados do consumidor, vai uma grande distância.
Tomando como referência do custo dos empréstimos para pessoas físicas a taxa média do crédito pessoal em 14 bancos, pesquisados pelo Procon-SP, os juros estão neste mês no menor patamar do Plano Real.
A pesquisa feita nos últimos dias 11 e 12 indica taxa média mensal de 5,58%, contra um juro básico de 1,55% no CDI, conforme projeção para o acumulado do mês pelo mercado futuro.
A diferença é de quatro pontos percentuais. Em taxas anualizadas ela fica mais nítida: 19,23% no CDI e 86,26% ao ano no crédito pessoal, calculando pelo método de dias úteis (a taxa de 5,58% acumulada por 12 vezes dá mais: 91,86% ao ano).
A taxa real no crédito é ainda maior. Com inflação projetada de 8% no ano, seria de 72,46%. Isso sem falar que essa inflação dificilmente será reposta nos salários e que há taxas mais altas no mercado. A média no cheque especial, por exemplo, chega a 10,46% ao mês, segundo o Procon-SP.
Mesmo que os juros básicos caiam mais, a taxa do crédito enfrentaria resistências em acompanhá-los de forma rápida porque a diferença não está apenas no lucro do banco ou da financeira.
Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e hoje na consultoria Tendências, ao comentar a recente decisão do BC de examinar as causas das elevadas taxas de juros ao consumidor, mostrou-se preocupado com o falso otimismo que isso possa criar na sociedade e no meio político.
Ele entende serem oportunos os estudos do BC, mas afirma que "não existe milagre que faça as taxas de juros ao consumidor caírem rápida e substancialmente no Brasil, como fruto de uma ação isolada do Banco Central".
Loyola vê raízes estruturais nas elevadas taxas, e a solução, como depende de várias medidas de naturezas distintas, poderá vir só a médio e longo prazos.
As causas dos juros altos, na visão de Loyola, podem ser resumidas em cinco tópicos: a) incerteza macroeconômica; 2) risco de crédito; 3) custos tributários e da regulamentação, incluindo efeitos dos depósitos compulsórios; 4) custos bancários; e 5) margem líquida da instituição financeira, o que depende da concorrência e da capacidade utilizada (alavancagem).
São questões complexas que, segundo Loyola, dificilmente poderão ser equacionadas em prazo relativamente curto.
Mudanças nos custos de regulamentação e de tributação teriam, teoricamente, efeitos mais rápidos sobre o crédito, mas Loyola lembra que há, como empecilho, os graves problemas fiscais. O mesmo ocorre com os compulsórios, ligados à política monetária.
Nos EUA, por exemplo, não há praticamente compulsório, o que facilita com que os "spreads" dos empréstimos sejam mais baixos.
Mas o que mais importa, no caso dos países ricos, é mesmo a maior previsibilidade do cenário econômico. São economias estabilizadas, que permitem a concessão de crédito de longo prazo a juros prefixados.
No Brasil, qualquer operação de crédito embute as incertezas do cenário econômico. Nas recentes crises, a alta dos juros básicos complicou a vida também de quem emprestou a juros prefixados a prazos mais longos.
A sucessão de crises aumentou ao mesmo tempo a inadimplência, que acaba pressionando os juros finais. A taxa de risco, numa ciranda perversa, é transferida também a quem paga em dia.
(GABRIEL J. DE CARVALHO)

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