São Paulo, Domingo, 29 de Agosto de 1999
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MERCOSUL
Luis Mosca, ministro da Economia do Uruguai, afirma que nunca houve compromisso com o modelo
"AL não soube implantar o liberalismo"

Matuiti Mayezo/Folha Imagem
Luis Mosca, ministro da Economia do Uruguai, durante visita a São Paulo na semana passada



RICARDO GRINBAUM
da Reportagem Local

Mais um país latino-americano está entrando na rota da crise econômica. Nos últimos dias, o Uruguai foi agitado por protestos de agricultores, que têm dívidas de US$ 1,2 bilhão. A exemplo do que ocorreu no Brasil, o governo alegou que não podia abrir o cofre porque afetaria o ajuste fiscal.
O ministro da Agricultura foi trocado, mas os problemas permanecem. Nos últimos três anos, o Uruguai cresceu a um ritmo superior a 4,5% ao ano. Em 1999, a economia deve encolher 2% ou mais.
Para o ministro da Economia, Luis Mosca, os problemas que atingem a América Latina não são resultado do modelo econômico adotado na região. Pelo contrário. Ele acredita que os países estão em crise justamente porque não conseguiram levar adiante os programas de abertura e desregulamentação da economia.
"Em muitos países se verifica que não houve um compromisso de fato com a economia liberal. Dessa maneira, a única coisa que se absorve são os custos", diz o ministro.
Na semana passada, Luis Mosca esteve em São Paulo com 40 empresários, numa tentativa de aumentar as exportações para o Brasil. Ele deu a seguinte entrevista à Folha.

Folha - Qual a origem da crise no Uruguai?
Luis Mosca -
Nos últimos três anos, a economia cresceu entre 4,5% e 5% ao ano. Este ano, o PIB deve cair 2% ou mais. O ambiente em que se move a economia é um sério candidato a explicar porque entramos nessa fase de ajuste. Seria impensável que, com o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Chile em recessão, o Uruguai poderia apresentar um comportamento muito diferente.

Folha - Qual é o impacto da desvalorização do real sobre o Uruguai?
Mosca -
Uma desvalorização dessa magnitude provoca uma mudança nos preços relativos e prejudica a competitividade dos produtos uruguaios. O Brasil é o nosso principal sócio comercial e maior destino de nossas exportações. A desvalorização também nos afeta indiretamente, ao atingir a economia argentina, com quem estamos muito vinculados, principalmente no campo dos serviços.

Folha - A crise da agricultura está relacionada com a desvalorização?
Mosca -
Não exclusivamente. A principal origem do problema é uma queda dramática dos preços agrícolas. Medidos em dólares, os preços caíram mais de 20% nos últimos meses. Só os preços da pecuária caíram 25%. Uma queda tão drástica causa enorme dificuldade, sobretudo se o principal mercado de exportação, o Brasil, também sofre uma crise com a desvalorização. Estamos fazendo um grande esforço para colocar os produtos em outros mercados, mesmo tendo que oferecer preços muito mais baixos. Teremos uma queda de 4% a 5% no nosso comércio externo. Nos primeiros seis meses, as vendas para o Brasil já caíram 30% e as para Argentina, 25%.

Folha - Assim como no Brasil, os produtores uruguaios pedem ajuda, mas o governo diz que não pode dar dinheiro porque prejudicaria o ajuste fiscal. Alguns analistas dizem que as excessivas restrições impostas à economia estão alimentando as crises na América Latina.
Mosca -
A preocupação com os desequilíbrios básicos não são caprichos de economistas. Quem não respeita esses princípios sofre uma deterioração da situação do país, recebe menos fluxo de capital, menos investimentos. Por isso, não creio que seja possível resolver por meios fiscais os problemas dos setores produtivos vinculados a queda de preços internacionais. Se o governo der assistência além de sua capacidade financeira, rapidamente se aceleraria a deterioração fiscal, pagaríamos maiores prêmios de risco (juros) e isso afetaria o bem-estar de toda a coletividade e colocaria em risco a estabilização. É preciso ser muito cauteloso.

Folha - Há uma corrente de pensamento que cita as crises de países latino-americanos e o fortalecimento de líderes populistas, como o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, como uma prova de que o modelo econômico adotado na região fracassou. O que o sr. acha?
Mosca -
Sempre houve populismo na América Latina. Também não acredito que haja um modelo econômico único. O que há em todo o mundo é a economia de mercado, em todas as suas variantes. Além disso, existem vários países que incorreram em erros de política econômica, como excessivo gasto público, endividamento fora da capacidade do país e programas de reformas que, muitas vezes, são mais declaratórios do que têm substância. Pensar que o futuro da América Latina é o populismo é incorrer em erro. É pegar uma onda que terminou em fracasso.

Folha - O sr. acredita que políticos como Hugo Chávez podem se tornar exemplos na região?
Mosca -
Não sou analista político, mas como responsável pela área econômica do governo, esse tema me preocupa. Se os programas de reforma não avançam, os países têm problemas. As pessoas acabam não recebendo os benefícios da abertura e da desregulamentação da economia. Pode haver uma tendência de revalorizar o messianismo, acreditar em líderes iluminados. Estou muito preocupado com a América Latina. O populismo tem fortes componentes autoritários. Basta olhar a história do continente.

Folha - Na sua opinião, então, os países estariam em dificuldades porque não conseguiram fazer as reformas?
Mosca -
Claro. Se o modelo encrenca, as pessoas buscam um responsável. Para espiar todas as penas, fazem como as tribos primitivas. Constróem um tótem e o chamam de neoliberalismo. O problema é que, se você analisa a situação desses países, em nenhum caso se verifica que houve um compromisso de fato com a economia liberal. Mal ou bem, o que se vê são processos pendulares, de avanços e retrocessos. Dessa maneira, a única coisa que se absorve são os custos.

Folha - Mas o custo não seria justamente um dos problemas da reformas? Não é um custo social alto demais?
Mosca -
Lamentavelmente, não conheço nenhum ajuste que não suponha dificuldades para as pessoas. Em todo o caso, o dever do Estado é realizar o ajuste, preservando o valor solidariedade no país, dando prioridade ao atendimento dos grupos mais carentes, aos programas educativos, que estão na base de grande parte do problema. Com diferentes ênfases e resultados, todos os países têm feito isso.

Folha - Como o sr. observa o risco de uma desvalorização do peso na Argentina?
Mosca -
Os candidatos com chances de ganhar as eleições presidenciais têm feito um discurso de compromisso com o plano de conversibilidade. A forma de acalmar os mercados é, no menor tempo possível, aprofundar o ajuste fiscal e completar o programa de reformas iniciado no governo Menem. Se isso for feito, as probabilidades de permanência do plano de convertibilidade crescem muito.

Folha - O Mercosul está vivendo sua maior crise. Os argentinos reclamam que a desvalorização do real provocou uma concorrência desigual e estão tentando limitar as importações. Qual é a saída para o impasse?
Mosca -
Não é fácil. Não creio numa regra simples para fazer frente à perda de competitividade. Mas creio que é necessário ter uma regra para esses casos. A União Européia tem. Quando um país, forçado pela circunstância, desvaloriza sua moeda, tem que haver um corretivo até que o câmbio real mova para nível de equilíbrio. Os instrumentos de salvaguarda da Argentina não seriam os mais indicados. Têm que ser tomadas medidas de alcance geral. Ainda estamos discutindo que tipos de medidas devem ser adotadas.

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