São Paulo, sexta-feira, 29 de setembro de 2000

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OPINIÃO ECONÔMICA

A globalização e a inserção do Brasil

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Volto a escrever na Folha depois de seis anos de ausência. No período anterior como articulista deste jornal, iniciado nos primeiros anos da década de 80, meu centro de atenção era o mercado financeiro. Período em que a inflação, indexação, calotes, planos econômicos diversos e taxas de juro eram a grande preocupação de parte significativa dos leitores. Minha coluna procurava, então, em razão de minha experiência profissional no mercado financeiro, refletir sobre essas questões.
Felizmente agora, na minha volta, a agenda de interesse sobre nossa economia mudou. Saímos do mundo virtual e neurótico em que vivemos por quase 20 anos e enfrentamos hoje problemas normais, inerentes a uma economia de mercado em desenvolvimento neste mundo global de hoje. Neste encontro semanal vou procurar discutir as questões mais relevantes de nossa economia que afetam de maneira significativa o leitor da Folha. O momento atual é muito rico e permite, tenho certeza, uma relação profunda entre articulista e leitor.
Apenas mais uma observação: esta coluna vai refletir um entendimento pessoal e particular que tenho sobre o momento histórico que vivemos hoje, no Brasil e no mundo. Muitas vezes ele vão estar em contradição com outros articulistas e mesmo com a opinião do jornal. Caberá ao leitor tirar suas conclusões. Estarei à disposição para uma troca mais pessoal de idéias no endereço eletrônico lcmb2@terra.com.br.
Vivemos hoje um período de extraordinárias mudanças na forma como a sociedade moderna organiza-se. Ousaria dizer que estamos em um daqueles momentos de inflexão da história. Tomemos o exemplo da chamada globalização da economia, para ficarmos em um espaço mais restrito de reflexão. Embora a integração das várias economias nacionais seja constante na nossa história recente, a chamada globalização, como ela é entendida hoje, é um fenômeno de natureza diferente. Alguns referem-se corretamente ao período anterior como o da internacionalização das economias nacionais. A globalização é algo mais profundo. Integram-se mercados que até agora vinham sendo mantidos independentes, restritos aos espaços nacionais. O próprio conceito de separação física dos mercados começa a desaparecer com as estruturas conhecidas como B2B e B2C. As redes de comunicação como a Internet permitem o aparecimento de fábricas virtuais, com vários departamentos em espaços físicos diferentes.
Outra mudança importante é a passagem do centro da atividade produtiva da fábrica para o consumidor. Na estrutura anterior, as empresas, via pesquisas por amostragem do mercado, procuravam antecipar a demanda de seus clientes e, a partir dessas previsões, definiam seus programas de produção. A partir daí era necessário vender os produtos, mesmo que a realidade do mercado fosse diferente das previsões feitas. As escalas de produção e a padronização dos produtos, herança do chamado fordismo, eram fundamentais.
No mundo de hoje o centro da atividade produtiva é o consumidor. São os compradores que definem as características dos produtos desejados, e a produção das fábricas adapta-se aos pedidos feitos. Subproduto dessa nova relação de poder -e mais uma das mudanças fundamentais no funcionamento da economia de hoje- é a terceirização da atividade produtiva. As cadeias de produção são quebradas, integradas via redes de comunicação e espalhadas pelos lugares onde haja vantagens comparativas. Sua integração é garantida por controles eletrônicos sofisticados e baratos. Essa organização em rede da atividade produtiva é uma das forças mais importantes no processo da globalização da produção.
Paralelamente a essas mudanças no sistema produtivo, outra marca fundamental dos mercados globalizados é a ampla disponibilização de informações aos consumidores e produtores. Essa verdadeira democratização da informação está tornando realidade a racionalidade das forças de mercado que os economistas clássicos imaginavam existir no começo do século. As decisões hoje são tomadas com um conhecimento muito mais profundo sobre as verdadeiras condições de oferta e procura, as características de bens e serviços oferecidos e, principalmente, dos preços que prevalecem nos vários mercados. Os leilões eletrônicos, com os participantes espalhados pelo mundo todo, são o melhor exemplo disso. A quimera do mercado de aldeia do economista Walras aproxima-se hoje da realidade. Os intermediários, sejam eles agentes de viagem ou revendedores de automóveis, vão desaparecer, e com eles o velho sistema de distribuição organizado ao longo de décadas. O consumidor-cidadão das economias mais desenvolvidas é o grande beneficiário dessas transformações.
As mudanças que vivemos hoje são resultantes de uma integração entre a racionalidade da economia de mercado e o desenvolvimento tecnológico iniciado na primeira metade dos anos 80. A liderança desse processo sempre esteve com os EUA e seu desenvolvimento acompanhou a organização da sociedade americana. Por ser uma estrutura mais eficiente do ponto de vista do consumidor que a anterior, ela foi impondo-se mesmo a sociedades organizadas, ainda que de forma diferente. É o caso da Europa, que só agora incorpora em seu espaço as reformas sociais necessárias para a mudança de paradigma.
No Brasil vivemos hoje um período em que as transformações impostas por esse modelo global começam a ser discutidas de forma mais clara. A busca da estabilização de nossa economia e a estrutura fechada de nossos mercados impediam que esse tema fundamental aflorasse para o debate. Hoje é a questão central no debate político e econômico de nossa sociedade. A polarização entre governo e oposição reflete isso. De um lado, os defensores de uma integração incondicional a esse novo espaço institucional. Do outro, os que negam os benefícios da globalização e defendem uma economia fechada, voltada para dentro, quase soviética. Esta coluna vai sempre defender que a integração de uma economia como a brasileira a este mundo global é do interesse da sociedade. Portanto a visão dos partidos da oposição nesta questão está errada. Mas entendo que nossa integração deve, e pode, ser feita a partir de uma agenda que leve em consideração nossa realidade social e considere de maneira efetiva a exclusão social. Agenda que o governo do presidente Fernando Henrique não tem hoje.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 57, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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