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OPINIÃO ECONÔMICA
A globalização e a inserção do Brasil
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Volto a escrever na Folha
depois de seis anos de ausência. No período anterior como articulista deste jornal, iniciado nos
primeiros anos da década de 80,
meu centro de atenção era o mercado financeiro. Período em que
a inflação, indexação, calotes,
planos econômicos diversos e taxas de juro eram a grande preocupação de parte significativa dos
leitores. Minha coluna procurava, então, em razão de minha experiência profissional no mercado financeiro, refletir sobre essas
questões.
Felizmente agora, na minha
volta, a agenda de interesse sobre
nossa economia mudou. Saímos
do mundo virtual e neurótico em
que vivemos por quase 20 anos e
enfrentamos hoje problemas normais, inerentes a uma economia
de mercado em desenvolvimento
neste mundo global de hoje. Neste
encontro semanal vou procurar
discutir as questões mais relevantes de nossa economia que afetam
de maneira significativa o leitor
da Folha. O momento atual é
muito rico e permite, tenho certeza, uma relação profunda entre
articulista e leitor.
Apenas mais uma observação:
esta coluna vai refletir um entendimento pessoal e particular que
tenho sobre o momento histórico
que vivemos hoje, no Brasil e no
mundo. Muitas vezes ele vão estar
em contradição com outros articulistas e mesmo com a opinião
do jornal. Caberá ao leitor tirar
suas conclusões. Estarei à disposição para uma troca mais pessoal
de idéias no endereço eletrônico
lcmb2@terra.com.br.
Vivemos hoje um período de extraordinárias mudanças na forma como a sociedade moderna
organiza-se. Ousaria dizer que estamos em um daqueles momentos de inflexão da história. Tomemos o exemplo da chamada globalização da economia, para ficarmos em um espaço mais restrito de reflexão. Embora a integração das várias economias nacionais seja constante na nossa história recente, a chamada globalização, como ela é entendida hoje,
é um fenômeno de natureza diferente. Alguns referem-se corretamente ao período anterior como o
da internacionalização das economias nacionais. A globalização
é algo mais profundo. Integram-se mercados que até agora vinham sendo mantidos independentes, restritos aos espaços nacionais. O próprio conceito de separação física dos mercados começa a desaparecer com as estruturas conhecidas como B2B e
B2C. As redes de comunicação como a Internet permitem o aparecimento de fábricas virtuais, com
vários departamentos em espaços
físicos diferentes.
Outra mudança importante é a
passagem do centro da atividade
produtiva da fábrica para o consumidor. Na estrutura anterior,
as empresas, via pesquisas por
amostragem do mercado, procuravam antecipar a demanda de
seus clientes e, a partir dessas previsões, definiam seus programas
de produção. A partir daí era necessário vender os produtos, mesmo que a realidade do mercado
fosse diferente das previsões feitas. As escalas de produção e a padronização dos produtos, herança do chamado fordismo, eram
fundamentais.
No mundo de hoje o centro da
atividade produtiva é o consumidor. São os compradores que definem as características dos produtos desejados, e a produção das
fábricas adapta-se aos pedidos
feitos. Subproduto dessa nova relação de poder -e mais uma das
mudanças fundamentais no funcionamento da economia de hoje- é a terceirização da atividade produtiva. As cadeias de produção são quebradas, integradas
via redes de comunicação e espalhadas pelos lugares onde haja
vantagens comparativas. Sua integração é garantida por controles eletrônicos sofisticados e baratos. Essa organização em rede da
atividade produtiva é uma das
forças mais importantes no processo da globalização da produção.
Paralelamente a essas mudanças no sistema produtivo, outra
marca fundamental dos mercados globalizados é a ampla disponibilização de informações aos
consumidores e produtores. Essa
verdadeira democratização da
informação está tornando realidade a racionalidade das forças
de mercado que os economistas
clássicos imaginavam existir no
começo do século. As decisões hoje
são tomadas com um conhecimento muito mais profundo sobre as verdadeiras condições de
oferta e procura, as características
de bens e serviços oferecidos e,
principalmente, dos preços que
prevalecem nos vários mercados.
Os leilões eletrônicos, com os participantes espalhados pelo mundo
todo, são o melhor exemplo disso.
A quimera do mercado de aldeia
do economista Walras aproxima-se hoje da realidade. Os intermediários, sejam eles agentes de viagem ou revendedores de automóveis, vão desaparecer, e com eles o
velho sistema de distribuição organizado ao longo de décadas. O
consumidor-cidadão das economias mais desenvolvidas é o
grande beneficiário dessas transformações.
As mudanças que vivemos hoje
são resultantes de uma integração entre a racionalidade da economia de mercado e o desenvolvimento tecnológico iniciado na
primeira metade dos anos 80. A
liderança desse processo sempre
esteve com os EUA e seu desenvolvimento acompanhou a organização da sociedade americana.
Por ser uma estrutura mais eficiente do ponto de vista do consumidor que a anterior, ela foi impondo-se mesmo a sociedades organizadas, ainda que de forma
diferente. É o caso da Europa, que
só agora incorpora em seu espaço
as reformas sociais necessárias
para a mudança de paradigma.
No Brasil vivemos hoje um período em que as transformações
impostas por esse modelo global
começam a ser discutidas de forma mais clara. A busca da estabilização de nossa economia e a estrutura fechada de nossos mercados impediam que esse tema fundamental aflorasse para o debate.
Hoje é a questão central no debate político e econômico de nossa
sociedade. A polarização entre
governo e oposição reflete isso. De
um lado, os defensores de uma integração incondicional a esse novo espaço institucional. Do outro,
os que negam os benefícios da globalização e defendem uma economia fechada, voltada para
dentro, quase soviética. Esta coluna vai sempre defender que a integração de uma economia como
a brasileira a este mundo global é
do interesse da sociedade. Portanto a visão dos partidos da oposição nesta questão está errada.
Mas entendo que nossa integração deve, e pode, ser feita a partir
de uma agenda que leve em consideração nossa realidade social e
considere de maneira efetiva a
exclusão social. Agenda que o governo do presidente Fernando
Henrique não tem hoje.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 57,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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