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LUÍS NASSIF
O Brasil e a última chance
Um dos dados mais marcantes da cultura brasileira de todos os tempos é a síndrome da última chance. O se... é o
grande fator de explicação para
todos os fracassos, para o não-sucesso e até para a vitória. Se...
o Brasil tivesse implementado o
câmbio flexível no governo JK.
Se... não tivesse havido a crise do
petróleo em 1979. Se... não tivesse ocorrido a crise da Rússia em
1998.
Na cultura do se..., o sucesso
ou o fracasso dependem do acaso, do destino, do golpe de sorte,
da herança imprevista, do homem providencial.
Nessas Olimpíadas, nunca a
síndrome da última chance ficou tão patente, nas duas finais
do vôlei de praia e nas derrotas
do vôlei de quadra. Foram anos
de preparação, de aprimoramento técnico, que resultaram
em desempenhos sólidos das
equipes, antes dos momentos
decisivos. Quando se chegava
perto do sucesso, toda a alma do
time era jogada na última chance, aquela cortada que decidiria
a partida. E, quando a jogada
falhava, a fortaleza psicológica
do time se desmoronava como
um sorvete ao sol.
Esse estado de espírito nacional foi moldado ao longo de séculos pelo modelo de colonização adotado. Ao abandonar a
meritocracia, substituída pelo
burocratismo e pelos favores políticos, a cultura ibérica sufocou
um ponto básico no desenvolvimento de qualquer comunidade: a percepção de que o sucesso
é resultado automático do esforço e da preparação despendidos
previamente.
No plano das políticas públicas ocorreu o mesmo, com o
imediatismo, a subordinação
das prioridades nacionais aos
objetivos políticos, a criação
permanente de inimigos ou fatores externos para justificar os
fracassos próprios.
O maior desafio da modernização será extirpar esses paradigmas do imaginário nacional.
Programas de qualidade total,
planejamento estratégico, visão
de futuro, tudo converge para
instituir novos valores, comprovar que o sucesso depende do
planejamento prévio em oposição ao jeitinho, do foco no resultado em contraposição à busca
de álibis prévios para o fracasso,
da visão de futuro em contraposição à contemporização.
Não é por outro motivo que os
três principais momentos do esporte brasileiro -as Copas do
Mundo de 1958, 1970 e 1994-
coincidiram com a percepção
popular de que havia um rumo
a ser seguido. Em 1958, JK e seu
Plano de Metas acenavam com
a visão do futuro sendo construído. Com todas as ressalvas à
ditadura implementada, em
1970 parte relevante do país embalava-se no sonho do "Brasil
Grande". Em 1994 a estabilização da moeda trazia as esperanças de que a reconstrução do futuro estava sendo reiniciada.
De 1998 em diante, perdeu-se
essa vantagem comparativa. A
alienação de FHC em relação ao
futuro do país, o acomodamento imprudente de manter a antiga política econômica e monetária, a falta de solidariedade
em relação aos problemas de
seu povo trouxeram de volta,
com toda a intensidade, a síndrome da última chance.
A economia promete bons resultados para o próximo ano. Os
conceitos de planejamento estratégico começam a se disseminar pela administração pública
a partir da experiência do
Avança Brasil. O país começa a
focar mais em cima de fatores
competitivos relevantes -exportação, tecnologia, educação,
gerência.
Se o sociólogo FHC não ensinar o presidente FHC a importância do discurso público como
fator coordenador de expectativas nacionais, haverá em 2002
um país melhor do que o recebido em 1994. Mas muito inferior
ao que poderia ter sido.
Fim da aventura
Fracassou, e foi pouco notado,
uma das mais atrevidas aventuras já tentadas contra os cofres
públicos: a ação de indenização
proposta pela Mendes Júnior
contra a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) por
atrasos nos pagamentos. A indenização pedida era de R$ 10
bilhões, muitas vezes maior do
que o preço total da obra. No
mês passado, o Superior Tribunal de Justiça liquidou definitivamente com a aventura.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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