São Paulo, sexta-feira, 29 de setembro de 2000

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LUÍS NASSIF

O Brasil e a última chance

Um dos dados mais marcantes da cultura brasileira de todos os tempos é a síndrome da última chance. O se... é o grande fator de explicação para todos os fracassos, para o não-sucesso e até para a vitória. Se... o Brasil tivesse implementado o câmbio flexível no governo JK. Se... não tivesse havido a crise do petróleo em 1979. Se... não tivesse ocorrido a crise da Rússia em 1998.
Na cultura do se..., o sucesso ou o fracasso dependem do acaso, do destino, do golpe de sorte, da herança imprevista, do homem providencial.
Nessas Olimpíadas, nunca a síndrome da última chance ficou tão patente, nas duas finais do vôlei de praia e nas derrotas do vôlei de quadra. Foram anos de preparação, de aprimoramento técnico, que resultaram em desempenhos sólidos das equipes, antes dos momentos decisivos. Quando se chegava perto do sucesso, toda a alma do time era jogada na última chance, aquela cortada que decidiria a partida. E, quando a jogada falhava, a fortaleza psicológica do time se desmoronava como um sorvete ao sol.
Esse estado de espírito nacional foi moldado ao longo de séculos pelo modelo de colonização adotado. Ao abandonar a meritocracia, substituída pelo burocratismo e pelos favores políticos, a cultura ibérica sufocou um ponto básico no desenvolvimento de qualquer comunidade: a percepção de que o sucesso é resultado automático do esforço e da preparação despendidos previamente.
No plano das políticas públicas ocorreu o mesmo, com o imediatismo, a subordinação das prioridades nacionais aos objetivos políticos, a criação permanente de inimigos ou fatores externos para justificar os fracassos próprios.
O maior desafio da modernização será extirpar esses paradigmas do imaginário nacional. Programas de qualidade total, planejamento estratégico, visão de futuro, tudo converge para instituir novos valores, comprovar que o sucesso depende do planejamento prévio em oposição ao jeitinho, do foco no resultado em contraposição à busca de álibis prévios para o fracasso, da visão de futuro em contraposição à contemporização.
Não é por outro motivo que os três principais momentos do esporte brasileiro -as Copas do Mundo de 1958, 1970 e 1994- coincidiram com a percepção popular de que havia um rumo a ser seguido. Em 1958, JK e seu Plano de Metas acenavam com a visão do futuro sendo construído. Com todas as ressalvas à ditadura implementada, em 1970 parte relevante do país embalava-se no sonho do "Brasil Grande". Em 1994 a estabilização da moeda trazia as esperanças de que a reconstrução do futuro estava sendo reiniciada.
De 1998 em diante, perdeu-se essa vantagem comparativa. A alienação de FHC em relação ao futuro do país, o acomodamento imprudente de manter a antiga política econômica e monetária, a falta de solidariedade em relação aos problemas de seu povo trouxeram de volta, com toda a intensidade, a síndrome da última chance.
A economia promete bons resultados para o próximo ano. Os conceitos de planejamento estratégico começam a se disseminar pela administração pública a partir da experiência do Avança Brasil. O país começa a focar mais em cima de fatores competitivos relevantes -exportação, tecnologia, educação, gerência.
Se o sociólogo FHC não ensinar o presidente FHC a importância do discurso público como fator coordenador de expectativas nacionais, haverá em 2002 um país melhor do que o recebido em 1994. Mas muito inferior ao que poderia ter sido.

Fim da aventura
Fracassou, e foi pouco notado, uma das mais atrevidas aventuras já tentadas contra os cofres públicos: a ação de indenização proposta pela Mendes Júnior contra a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) por atrasos nos pagamentos. A indenização pedida era de R$ 10 bilhões, muitas vezes maior do que o preço total da obra. No mês passado, o Superior Tribunal de Justiça liquidou definitivamente com a aventura.


E-mail - lnassif@uol.com.br



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