São Paulo, sexta-feira, 29 de setembro de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

Pão amanhecido no Banco Central

Relatório trimestral do BC ficou envelhecido diante da queda mais forte da inflação e da morosidade na indústria

MEIO ENVELHECIDO, algo na defensiva. É a impressão que fica da leitura do "Relatório de Inflação" do BC. Envelhecido porque, desde a elaboração do documento, novos dados e a revisão de expectativas parecem indicar que a primavera vai chegar mais tarde à economia. A inflação de agosto e setembro veio abaixo da previsão de mercado. A expectativa de inflação para 2007 baixou. Um preço importante, como o do petróleo, cai bastante. A indústria recupera-se mais devagar que o previsto.
O resfriado econômico do segundo trimestre, pois, ainda não passou. O BC deveria ter dado mais xarope à economia? Errou na dose de juros?
Difícil dizer, hoje. E a letargia de agora pode ser compensada com uma aceleração mais forte mais adiante, embora contenções desnecessárias do PIB sempre sejam um risco. Mais adiante, o ambiente mundial pode se deteriorar; o atraso no PIB viria a ser então irrecuperável.
Preocupa um pouco mais o tom defensivo do relatório, que aparece, por exemplo, em um dos pequenos estudos anexos, sobre os efeitos defasados da queda da taxa básica de juros sobre os juros de mercado e sobre a indústria. No exemplo do BC, em 2004, o pico da utilização da capacidade instalada da indústria ocorreu seis meses depois de os juros reais terem chegado a seu patamar mais baixo.
As medidas utilizadas têm problemas, mas o mais relevante aqui é que, em 2006, a indústria reage de modo mais lento e incerto que em 2004, quando o PIB cresceu 4,9%. A diferença seria o efeito do câmbio?
Ou, como parece esperar o BC, a indústria chegaria ao pico de 2004 só em março do ano que vem, seis meses após a taxa real de juros ter voltado ao piso histórico?
Nesse caso, o BC vai testar se a indústria, chegando ao limite aparente de sua capacidade, será capaz de investir mais e/ou de aumentar a produtividade? Em 2004, a expectativa de inflação voltou a subir em maio. O pico do uso da capacidade produtiva foi em agosto. Em setembro, o BC voltava a elevar os juros, chancelando a opinião do mercado.

Medidas e dados ruins
Decerto, mais importante que discutir décimos de porcentagem de juros ou do PIB em determinado ano são os problemas de estrutura da economia. A má qualidade e o tamanho do gasto público também jogaram pela janela ganhos potenciais de produto e emprego. Mas discute-se pouco o sistema de metas de inflação, como se ele fosse um dado da natureza.
Os indicadores que medem a economia são parciais -os indicadores de produção, preço, renda, para não falar de produto potencial. No próprio relatório, o BC mostra a regionalização e a interiorização da produção e do emprego, o que as estatísticas captam mal. O sistema brasileiro de metas é pouco maleável para uma economia tão sujeita a choques e de preços tão pouco flexíveis (é preciso mais flexibilidade, mas, enquanto ela não vem, o BC não pode ser turrão e birrento).
Enfim, o BC ainda presta poucas contas para uma instituição que torra um quarto da despesa federal. Quanto menos responsabilização, mais liberdade de errar ou de ser capturado por grupos de interesse.


vinit@uol.com.br

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