São Paulo, quinta-feira, 29 de novembro de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

Queda do dólar começa a preocupar

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O câmbio tem sido nesta coluna, ao longo dos anos, um tema recorrente, quase obsessivo. "Você está se repetindo muito", dizem alguns. É verdade, devo reconhecer. E, no entanto, leitor, não vamos esquecer o que sustentava um velho e querido amigo nosso: "As coisas, quando são ditas uma vez, e só uma vez, permanecem rigorosamente inéditas".
Trata-se, evidentemente, do Nelson Rodrigues. Eis aí uma figura que não pode deixar de aparecer neste espaço. Já estou resignado ao fato de que muitos só me lêem ou escutam na esperança de topar com as suas frases e piadas. Parece que o meu destino, como cronista, é psicografar o grande escritor.
Mas era do câmbio que eu queria falar um pouco hoje. A queda do dólar já começa a preocupar. Naturalmente, foi um alívio escapar dos riscos de uma trajetória explosiva. Com o dólar subindo rapidamente até R$ 2,70 e ameaçando ir além, a precária estabilidade da economia poderia ir por água abaixo.
Os benefícios de uma apreciação do real são conhecidos. Ela facilita, por exemplo, o controle das contas governamentais, uma vez que quase 50% da dívida pública consolidada (incluindo dívidas federais, estaduais e municipais) é composta de obrigações em moeda estrangeira ou de títulos indexados ao câmbio. Ajuda, também, a reduzir a taxa de inflação, que tem ficado, como se sabe, alguns pontos percentuais acima das metas oficiais. Contribui, além do mais, para diminuir as tensões com a Argentina e reequilibrar um pouco o Mercosul.
Porém a grande restrição macroeconômica é o balanço de pagamentos. Não vamos nos deixar iludir, outra vez, por sintomas de recuperação do acesso a capitais externos ou pela recente diminuição do déficit em conta corrente. Essa última deve ser atribuída, em grande parte, à forte desaceleração da economia brasileira em 2001.
O desafio é ajustar o balanço de pagamentos sem sufocar o crescimento da economia. Isso significa combinar um viés pró-depreciação na política cambial com outras políticas (comerciais, creditícias e tributárias) de estímulo às exportações e à substituição de importações de bens e serviços.
O Banco Central tem meios de evitar uma revalorização excessiva do real? Sem dúvida. Pode, por exemplo, diminuir a oferta de títulos públicos indexados ao dólar. Ou acumular reservas internacionais. Ou, ainda, reduzir as taxas de juro internas.
Todas essas três alternativas têm vantagens colaterais. A primeira diminui a vulnerabilidade das contas públicas à depreciação cambial. A segunda reforça as defesas do país contra futuros períodos de turbulência. E a terceira é essencial para fazer a economia voltar a crescer em ritmo adequado.
A verdadeira aberração da macroeconomia brasileira não é o dólar a R$ 2,70, mas as astronômicas taxas de juro cobradas no país. Entre os mercados "emergentes", só a Argentina e a Polônia praticam taxas reais de curto prazo superiores à nossa.
No segmento livre do mercado de crédito brasileiro, as taxas ativas de juro, que já eram estratosféricas, subiram ainda mais em 2001. Segundo o Banco Central, a taxa média geral nesse segmento alcançou, em outubro, nada menos que 65,8% ao ano em termos nominais. As empresas pagaram uma taxa média de 47,3% em operações de prazo médio de apenas 98 dias!
Como não há grande espaço para políticas fiscais expansionistas, a retomada do crescimento da economia brasileira depende fundamentalmente do seguinte: câmbio depreciado e juros mais baixos.
Com juros de usurário e câmbio valorizado, não vamos a lugar nenhum.


Paulo Nogueira Batista Jr., 46, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é ..." (Boitempo Editorial, 2ª edição: 2001).

E-mail: pnbjr@attglobal.net


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