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OPINIÃO ECONÔMICA
A história e o novo governo do PT
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
A história é uma fonte riquíssima para aquele que
procura refletir sobre os desafios e
contradições de seu tempo. Principalmente no campo da política
e da economia, o desconhecimento das lições de tempos passados é
uma limitação extraordinária
para qualquer analista. Um de
meus exercícios prediletos é
acompanhar os erros humanos
que ocorrem hoje, principalmente
no Brasil, pelo desconhecimento
de fatos passados. Ele é estimulante do ponto de vista intelectual, principalmente porque não
é simples identificar em acontecimentos, perdidos no tempo e no
espaço físico de nações distantes,
as semelhanças com o que ocorre
no dia-a-dia de nossas vidas.
Gostaria de dividir com meu
leitor da Folha duas experiências
atuais desta minha leitura comparativa da história. A primeira
diz respeito ao primeiro governo
do presidente Miterrand na França, em 1982. Até então eterno candidato dos socialistas franceses à
Presidência da Republica, ele
amargava três derrotas consecutivas na corrida ao Elysée. Em
1982, em aliança com o Partido
Comunista, conseguiu vencer as
eleições e assumiu a Presidência
da República, ao mesmo tempo
em que a esquerda, mais ou menos unida, passou a controlar o
Legislativo.
Eu estava em Paris no dia da
posse do novo governo e pude sentir nas ruas o entusiasmo popular
que a vitória da esquerda provocou. A esperança de novos tempos, com mais justiça social e uma
visão política mais solidária, varreu Paris como uma espécie de
onda rosa, para usar um termo de
hoje no Brasil. Certamente algo
parecido com o que vai se passar
em Brasília no dia da posse de Lula!
Durante dois anos, acompanhei
com emoção os passos do novo
governo. Sem a facilidade da internet, eu era obrigado a comprar
edições atrasadas do "Le Monde"
na Livraria Francesa, no centro
velho de São Paulo, para acompanhar as transformações sociais e
econômicas que ocorriam no país
de Voltaire. Foi dessa forma que
vivenciei os fracassos do novo governo, principalmente na economia. Desvalorização do franco,
então a moeda nacional, inflação
e fuga de capitais foram as marcas daquele tempo.
Em 1985, com a crise financeira
agravada e em meio a uma grande decepção popular, Miterrand
foi obrigado a mudar seu ministério. Chamou para comandá-lo
Michel Roccard, um político tradicional e de grande prestigio no
grupo socialista. O novo primeiro-ministro mudou os rumos da
política econômica e chamou um
burocrata, também ligado ao PS,
para o Ministério da Economia.
Jacques Delors comandou com
mão-de-ferro um ajuste macroeconômico ortodoxo, com a precisão de um homem de direita. Meses depois dessa incrível guinada
do governo, um jornalista perguntou ao primeiro-ministro
qual era a diferença que existia
entre ele e um homem de direita.
Roccard respondeu, com simplicidade: "Eu faço tudo isso com uma
terrível dor em meu coração".
Lula, que também tem feito comentários sobre corações e cérebros de seus futuros ministros,
precisa olhar para a França daquela época para não trilhar caminhos sem volta em seu governo
rosa!
A segunda questão em que uma
leitura histórica correta precisa
ser feita é a da volta da inflação
nos primeiros dias do novo governo. Também aqui devemos olhar
para a primeira metade da década de 80 -1983, para ser mais
preciso- e compreender a natureza do que está acontecendo
agora no Brasil. A comparação
desta vez é mais simples, à medida que o país que pode nos ensinar coisas importantes é o nosso
próprio Brasil dos anos finais da
ditadura militar. Passávamos então por uma situação de corte
abrupto de nosso crédito internacional, provocado pela moratória
mexicana, que levou o governo a
desvalorizar nossa moeda com o
objetivo de gerar um saldo comercial expressivo. Fomos obrigados,
como agora, a diminuir nossas
importações e a desviar parcela
expressiva de nossa capacidade
de produzir para o mercado externo, via exportações.
Ao choque de oferta de dólares
na economia segue uma contração de oferta de produtos para o
consumo dos brasileiros. Com isso, no nível de renda que prevalecia antes do choque de câmbio,
passa a ocorrer uma verdadeira
inflação de demanda em setores
importantes.
Como precisaremos manter em
2003 essa situação de redução da
oferta de produtos e serviços, a
pressão sobre os preços em setores
importantes deve continuar. Alguma folga virá quando a safra
agrícola -vivemos agora o que
se chama de entressafra- aumentar a disponibilidade de alimentos, por volta de abril. Mas a
demanda apertada em mercados
que não têm essa sazonalidade
agrícola e que estão próximos da
plena ocupação de sua capacidade produtiva -entre eles o mercado de produtos siderúrgicos e
de papel- vai continuar. A única
saída será provocar uma nova
queda do consumo, via redução
do poder aquisitivo dos brasileiros. Esse serviço sujo será feito pela própria aceleração da inflação,
caso não haja uma rodada de aumentos de salários.
Vivemos uma situação aparentemente paradoxal, na qual em
uma situação de alto desemprego
e queda expressiva do poder de
compra dos salários aparecem focos da clássica inflação de demanda -isto é, quando há mais
compradores do que produtos à
venda. Isso acontece nos setores
de bens que são exportados ou podem ser exportados. Sugiro a
meus leitores e a alguns economistas que só conhecem seus livros-textos que também olhem
para esses, hoje já longínquos,
anos de 1983 e 1984.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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