São Paulo, domingo, 29 de novembro de 2009

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Regra do país para banco global vira exemplo

Política de exigir que instituições financeiras mundiais que operem no Brasil tenham capital próprio é vista como mais segura

Governo diz que presença de subsidiárias permitiu que autoridades dedicassem atenção aos bancos e evitou fugas de capital na crise


GILLIAN TETT
DO "FINANCIAL TIMES"

O sistema financeiro brasileiro apresentou uma notável peculiaridade local nos últimos anos. Ao contrário da maioria das demais grandes economias, o Brasil insistiu em defender que qualquer banco mundial que operasse dentro de seu território criasse subsidiárias com capital próprio, e não simples filiais de uma matriz externa.
Até recentemente, a posição parecia antiquada. A teoria ocidental dominante antes da compressão de crédito era a de que os mercados de capitais estavam se tornando cada vez mais globalizados e integrados, o que implicava que os bancos deveriam ter a capacidade de transferir capital livremente.
Mas a posição adotada pelo Brasil agora está estimulando um debate político mais amplo sobre o tema. Funcionários do governo brasileiro dizem que um dos motivos para que o sistema financeiro do país superasse relativamente bem a recente crise era o fato de que a presença de subsidiárias permitia que as autoridades regulatórias dedicassem atenção estreita aos bancos e impedia fugas súbitas de capital.
"Essa política nos serviu bem", disse um funcionário da área financeira brasileira a colegas europeus, na semana passada. Por isso, a questão agora passa a ser analisar se outros países deveriam seguir o exemplo brasileiro e impor políticas semelhantes.
Trata-se de uma sugestão que muitos banqueiros odeiam sequer pensar. Alguns grandes bancos mundiais, como o HSBC e o Santander, operam com um modelo de subsidiárias locais. Mas a maioria do setor não o faz, e os bancos costumam argumentar que restrições nacionais às suas operações contrariam a tendência de globalização e tornam o capital mais caro.
No entanto, existem pelo menos dois motivos importantes para que o conceito ganhe ímpeto rapidamente. Primeiro, o colapso do Lehman Brothers no ano passado, que exemplificou os problemas que as autoridades regulatórias enfrentam ao tentar recuperar ativos, caso esses possam atravessar fronteiras sem controle.
Segundo, o debate sobre os chamados "testamentos" -os planos sobre como bancos poderiam se dissolver em crises- pode iluminar de maneira inédita todas as estruturas do setor bancário.
A ideia para esses testamentos foi proposta inicialmente no começo do ano, e as autoridades regulatórias britânicas acabaram por alterar o nome para "planos de recuperação e resolução". A "Financial Services Authority", que regulamenta o setor financeiro britânico, solicitou que meia dúzia de bancos sediados no país preparasse o plano.
Paul Tucker, vice-presidente do Banco da Inglaterra, está presidindo um comitê internacional que em breve estenderá esse exemplo a cerca de 25 bancos mundiais.

Testamentos
Uma questão contenciosa é conseguir determinar se esses relatórios serão ou não mantidos em segredo. Caso o exercício ganhe força, pode produzir um novo nível de transparência sobre a localização dos ativos dos bancos.
Por esse motivo, o G20 agora apoia a ideia de "testamentos". Alguns países perceberam que, caso os ativos estejam claramente estacionados em seu território, isso dificulta a fuga de bancos durante crises.
É claro que, como apontam os banqueiros ocidentais, esse tipo de medida tem seu preço -especialmente ao tornar o capital mais dispendioso. Em um momento no qual o mundo continua a oscilar diante do custo gerado pela aparente interconexão dos mercados mundiais de capital, no entanto, pode ser que esse preço pareça baixo.
De qualquer forma, vale a pena prestar atenção no que acontecerá a seguir no debate sobre os testamentos ou planos de recuperação. E ficar atento não só a países como o Brasil, mas no restante do sistema financeiro mundial.

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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