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Regra do país para banco global vira exemplo
Política de exigir que instituições financeiras mundiais que operem no Brasil tenham capital próprio é vista como mais segura
Governo diz que presença de subsidiárias permitiu que autoridades dedicassem atenção aos bancos e evitou fugas de capital na crise
GILLIAN TETT
DO "FINANCIAL TIMES"
O sistema financeiro brasileiro apresentou uma notável
peculiaridade local nos últimos
anos. Ao contrário da maioria
das demais grandes economias,
o Brasil insistiu em defender
que qualquer banco mundial
que operasse dentro de seu território criasse subsidiárias com
capital próprio, e não simples
filiais de uma matriz externa.
Até recentemente, a posição
parecia antiquada. A teoria ocidental dominante antes da
compressão de crédito era a de
que os mercados de capitais estavam se tornando cada vez
mais globalizados e integrados,
o que implicava que os bancos
deveriam ter a capacidade de
transferir capital livremente.
Mas a posição adotada pelo
Brasil agora está estimulando
um debate político mais amplo
sobre o tema. Funcionários do
governo brasileiro dizem que
um dos motivos para que o sistema financeiro do país superasse relativamente bem a recente crise era o fato de que a
presença de subsidiárias permitia que as autoridades regulatórias dedicassem atenção estreita aos bancos e impedia fugas súbitas de capital.
"Essa política nos serviu
bem", disse um funcionário da
área financeira brasileira a colegas europeus, na semana passada. Por isso, a questão agora
passa a ser analisar se outros
países deveriam seguir o exemplo brasileiro e impor políticas
semelhantes.
Trata-se de uma sugestão
que muitos banqueiros odeiam
sequer pensar. Alguns grandes
bancos mundiais, como o
HSBC e o Santander, operam
com um modelo de subsidiárias
locais. Mas a maioria do setor
não o faz, e os bancos costumam argumentar que restrições nacionais às suas operações contrariam a tendência de
globalização e tornam o capital
mais caro.
No entanto, existem pelo
menos dois motivos importantes para que o conceito ganhe
ímpeto rapidamente. Primeiro,
o colapso do Lehman Brothers
no ano passado, que exemplificou os problemas que as autoridades regulatórias enfrentam
ao tentar recuperar ativos, caso
esses possam atravessar fronteiras sem controle.
Segundo, o debate sobre os
chamados "testamentos" -os
planos sobre como bancos poderiam se dissolver em crises-
pode iluminar de maneira inédita todas as estruturas do setor bancário.
A ideia para esses testamentos foi proposta inicialmente
no começo do ano, e as autoridades regulatórias britânicas
acabaram por alterar o nome
para "planos de recuperação e
resolução". A "Financial Services Authority", que regulamenta o setor financeiro britânico,
solicitou que meia dúzia de
bancos sediados no país preparasse o plano.
Paul Tucker, vice-presidente
do Banco da Inglaterra, está
presidindo um comitê internacional que em breve estenderá
esse exemplo a cerca de 25 bancos mundiais.
Testamentos
Uma questão contenciosa é
conseguir determinar se esses
relatórios serão ou não mantidos em segredo. Caso o exercício ganhe força, pode produzir
um novo nível de transparência
sobre a localização dos ativos
dos bancos.
Por esse motivo, o G20 agora
apoia a ideia de "testamentos".
Alguns países perceberam que,
caso os ativos estejam claramente estacionados em seu
território, isso dificulta a fuga
de bancos durante crises.
É claro que, como apontam
os banqueiros ocidentais, esse
tipo de medida tem seu preço
-especialmente ao tornar o capital mais dispendioso.
Em um momento no qual o
mundo continua a oscilar diante do custo gerado pela aparente interconexão dos mercados
mundiais de capital, no entanto, pode ser que esse preço pareça baixo.
De qualquer forma, vale a pena prestar atenção no que
acontecerá a seguir no debate
sobre os testamentos ou planos
de recuperação. E ficar atento
não só a países como o Brasil,
mas no restante do sistema financeiro mundial.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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