São Paulo, terça-feira, 30 de janeiro de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

Engenhosa segurança nacional

BENJAMIN STEINBRUCH

Parece não ter fim o apetite protecionista dos Estados Unidos. Na semana passada, uma nova decisão do governo americano sobre as importações do setor de mineração e siderúrgico soou quase como piada no mercado internacional.
No último dia de Bill Clinton na Casa Branca, o Departamento do Comércio americano decidiu abrir uma investigação para averiguar se as importações de minério de ferro e de aço ameaçam a segurança nacional do país. Só rindo para encarar essa notícia: a mais poderosa nação da Terra, que importa cerca de US$ 1,5 trilhão por ano, teria sua segurança ameaçada por fornecimentos de ferro e aço.
Mas os americanos não estavam brincando. A investigação será feita pelo Departamento do Comércio, a pedido de dois parlamentares do Partido Democrata, defensores do lobby de mineração e siderurgia. Se ficar constatado que os deputados têm razão, o governo pode aumentar as alíquotas de importação, impor cotas ou mesmo obrigar os consumidores de minério de ferro e de aço a comprar produtos locais.
A tese da ameaça à segurança nacional é engenhosa. Os parlamentares lembram que durante a Segunda Guerra Mundial os produtores locais atenderam inteiramente a demanda americana de minério de ferro e aço. Se dependessem de fornecedores estrangeiros, a indústria de guerra não teria funcionado como funcionou. Assim, no futuro, a segurança nacional também poderia depender de uma indústria doméstica produtiva de ferro e aço.
Vale aqui um parêntese sobre o Brasil. Lá nos EUA, potência que mantém um arsenal de armas nucleares, levanta-se tranquilamente a questão da segurança nacional por causa da importação de minério e aço. Aqui, críticas à abertura indiscriminada de setores estratégicos, como energia, telecomunicações, logística, são ignoradas e até ridicularizadas.Mas voltemos aos EUA. O argumento dos deputados é engenhoso porque, se for aceito pelo governo, permitirá ao país ignorar normas do comércio internacional, impostas pela OMC. Afinal, nada se sobrepõe à segurança nacional e, em nome dela, vale tudo.
O uso desse argumento expõe definitivamente a debilidade da indústria siderúrgica americana e sua incapacidade de competir internacionalmente. Durante muitos anos, o governo americano defendeu a siderurgia local por meio de processos antidumping e pela imposição de cotas e tarifas de importação de aço. Argumentava-se que as indústrias estrangeiras subsidiavam sua produção e faziam concorrência predatória no mercado americano. Na verdade, o avanço sobre o mercado americano se dava -e ainda se dá- por conta da baixa eficiência da produção local, oriunda de um parque siderúrgico obsoleto e improdutivo.
Há dois anos, quando os fornecedores estrangeiros, inclusive brasileiros, começaram a competir mais fortemente com as usinas americanas, oferecendo aço mais barato e de melhor qualidade, o lobby siderúrgico dos EUA convenceu o governo de que a indústria local precisava de ajuda. Aprovou-se então um programa emergencial, pelo qual o governo concedeu US$ 1 bilhão em garantias a siderúrgicas que estavam à beira da falência e, por isso, não conseguiam obter créditos bancários privados.
O socorro oficial, além de não resolver o problema das siderúrgicas moribundas, acabou afetando também as saudáveis. É que a ajuda contribuiu para aumentar a oferta de aço no mercado e isso deprimiu os preços, o que ameaçou também a saúde das melhores siderúrgicas.
No fim do ano passado, um grupo de 75 presidentes de companhias siderúrgicas americanas pressionou o presidente Clinton a tomar medidas imediatas para salvar empresas à beira da falência. Clinton agiu. Determinou que os recursos arrecadados pelas sobretaxas aplicadas contra produtos siderúrgicos importados serão entregues aos fabricantes americanos de aço. Criou um subsídio esquisito, que deve destinar US$ 30 milhões às empresas, a fundo perdido.
Mas esses recursos ainda não bastam para salvar os ineficientes e obsoletos produtores de aço dos EUA. Sua sobrevivência exige o aniquilamento da concorrência externa. E, para isso, nada melhor do que levantar a tese da segurança nacional. Tese engenhosa.

Benjamin Steinbruch, 47, empresário, é presidente dos conselhos de administração da Valepar e da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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