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LUÍS NASSIF
Pobre e perdulário
Recentemente, o megaindustrial brasileiro Antônio Ermírio de Moraes -em
geral sensato em suas ponderações- escreveu que não se pode
dar dinheiro na mão dos pobres, porque "eles vão beber cachaça". Qual a diferença dessa
visão da elite brasileira daquela
do PT, em suas exigências de
prestação de contas do Fome
Zero e ameaças de exclusão do
programa? Se um miserável do
Fome Zero usar parte do dinheiro para comprar um sapato
ou um calção para o filho descalço ou seminu, será expulso
do programa?
Quem pergunta é Ana Maria
Pacheco. "São duas visões tão
preconceituosas quanto seria se
eu dissesse que os ricos usam
parte do seu excesso de dinheiro
para cheirar pó ou em fúteis e
suntuosas festas de casamento",
conclui.
Ela conviveu com o professor
Vilmar Faria na implantação
de programas de transferência
direta de renda -em especial o
Bolsa Escola, do MEC. Com Faria, aprendeu que dinheiro público não deve ser distribuído de
graça a ninguém. Mas também
aprendeu que tutelar miseráveis humilha tanto quanto dar
esmolas. Por isso mesmo a
maioria dos programas sociais
do Estado brasileiro sempre foi
ineficiente para combater a pobreza e a desigualdade, por não
quebrar a cadeia histórica de
reprodução da miséria.
Criador da Área de Projetos
Sociais do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), há duas décadas, o economista da UFRJ
(Universidade Federal do Rio
de Janeiro) Rubem Freitas Novaes identificou dois fatores de
dispersão de recursos sociais: os
diversos gastos administrativos
e operacionais que programas
complexos requerem; as perdas
e desperdícios inerentes a programas que exigem transporte,
armazenagem e distribuição de
mercadorias, especialmente as
perecíveis.
No plano social ou no econômico, o modelo do Fome Zero
-de tutelar os gastos dos miseráveis- é uma excrescência.
"Pense em Sudams, Sudenes.
Somos pródigos, ágeis e condescendentes na alocação de dinheiro público para os ricos e
ultra-exigentes em seu uso para
os pobres, não é?", diz Ana Maria.
A aposentadoria rural é o
maior programa brasileiro de
transferência direta de renda.
Porque seus beneficiários não
contribuíram para recebê-la, será que se vai exigir que os gastos
dos idosos sejam apenas em cesta básica e remédios? "Ou será
que os idosos merecem a "liberdade" de gastar em cachaça e iogurte, ou em pastel e caldo de
cana na feira livre?", indaga
Ana Maria.
Segundo ela, o Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da
Unicamp trabalhou em pesquisa pioneira sobre o uso que as
famílias faziam do dinheiro dos
primeiros programas de bolsa-escola, instituídos em âmbito
municipal. E mostrou o óbvio:
as prioridades das famílias
eram lideradas, de longe, pela
compra de comida.
"Desculpe tomar tanto o seu
tempo, mas não é incrível que
justamente na política social o
atual governo corra o risco de
representar um retrocesso em
relação à combatida área social
do governo FHC?" Resposta: é!
Reprivatizar
O pepino que o BNDES vai ter
que descascar, hospitalizar e reprivatizar atende pelo nome de
Eletropaulo.
E-mail - LNassif@uol.com.br
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