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São Paulo, quinta-feira, 30 de janeiro de 2003

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LUÍS NASSIF

Pobre e perdulário

Recentemente, o megaindustrial brasileiro Antônio Ermírio de Moraes -em geral sensato em suas ponderações- escreveu que não se pode dar dinheiro na mão dos pobres, porque "eles vão beber cachaça". Qual a diferença dessa visão da elite brasileira daquela do PT, em suas exigências de prestação de contas do Fome Zero e ameaças de exclusão do programa? Se um miserável do Fome Zero usar parte do dinheiro para comprar um sapato ou um calção para o filho descalço ou seminu, será expulso do programa?
Quem pergunta é Ana Maria Pacheco. "São duas visões tão preconceituosas quanto seria se eu dissesse que os ricos usam parte do seu excesso de dinheiro para cheirar pó ou em fúteis e suntuosas festas de casamento", conclui.
Ela conviveu com o professor Vilmar Faria na implantação de programas de transferência direta de renda -em especial o Bolsa Escola, do MEC. Com Faria, aprendeu que dinheiro público não deve ser distribuído de graça a ninguém. Mas também aprendeu que tutelar miseráveis humilha tanto quanto dar esmolas. Por isso mesmo a maioria dos programas sociais do Estado brasileiro sempre foi ineficiente para combater a pobreza e a desigualdade, por não quebrar a cadeia histórica de reprodução da miséria.
Criador da Área de Projetos Sociais do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), há duas décadas, o economista da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Rubem Freitas Novaes identificou dois fatores de dispersão de recursos sociais: os diversos gastos administrativos e operacionais que programas complexos requerem; as perdas e desperdícios inerentes a programas que exigem transporte, armazenagem e distribuição de mercadorias, especialmente as perecíveis.
No plano social ou no econômico, o modelo do Fome Zero -de tutelar os gastos dos miseráveis- é uma excrescência. "Pense em Sudams, Sudenes. Somos pródigos, ágeis e condescendentes na alocação de dinheiro público para os ricos e ultra-exigentes em seu uso para os pobres, não é?", diz Ana Maria.
A aposentadoria rural é o maior programa brasileiro de transferência direta de renda. Porque seus beneficiários não contribuíram para recebê-la, será que se vai exigir que os gastos dos idosos sejam apenas em cesta básica e remédios? "Ou será que os idosos merecem a "liberdade" de gastar em cachaça e iogurte, ou em pastel e caldo de cana na feira livre?", indaga Ana Maria.
Segundo ela, o Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp trabalhou em pesquisa pioneira sobre o uso que as famílias faziam do dinheiro dos primeiros programas de bolsa-escola, instituídos em âmbito municipal. E mostrou o óbvio: as prioridades das famílias eram lideradas, de longe, pela compra de comida.
"Desculpe tomar tanto o seu tempo, mas não é incrível que justamente na política social o atual governo corra o risco de representar um retrocesso em relação à combatida área social do governo FHC?" Resposta: é!

Reprivatizar
O pepino que o BNDES vai ter que descascar, hospitalizar e reprivatizar atende pelo nome de Eletropaulo.

E-mail - LNassif@uol.com.br


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