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OPINIÃO ECONÔMICA
São Paulo, capital
LEDA MARIA PAULANI
Os 450 anos de São Paulo,
com seu séquito de festas,
exposições e discussões, enseja
uma pergunta cuja resposta não é
trivial. Por que São Paulo explodiu neste conglomerado urbano
de 10,5 milhões de habitantes? São
Paulo não fica no litoral nem é um
paraíso de belezas naturais. A história não fez dela capital do país,
nem por obra do acaso nem por
obra do planejamento. Então por
quê? Que força foi essa que, em
pouco mais de um século, produziu uma megalópole do pequeno
vilarejo interiorano, que, há mais
de 300 anos, posto em sossego pelo difícil acesso, dormitava num
planalto a 800 metros do nível do
mar?
A força que operou, para o bem
e para o mal, esse milagre chama-se capital. Essa lógica, que transcende o arbítrio daqueles que a
operam, revoluciona constantemente o meio em que atua. Todo
e qualquer espaço deixado inteiramente sob seu domínio torna-se um ambiente de mudança contínua, de abalos e transformações
ininterruptas. O café, depois a indústria, agora os serviços fizeram
da pequena São Paulo calma e serena, localizada nas bordas de um
sistema que é mundial, esse cenário vertiginoso que tonteia os visitantes menos avisados. São Paulo
é a objetivação do capital periférico, em sua concretude contraditória de riqueza suntuosa e de pobreza aviltante, de civilização e de
barbárie.
Mas esse furor que leva tudo de
roldão é a forma dita civilizada de
produzir os chamados meios de
vida. As levas humanas que a cidade foi atraindo ao longo de sua
história recente vieram todas, indistintamente, atrás dessa oferta,
que sempre pareceu por aqui
abundante. Decorre daí seu tão
decantado ecumenismo social,
sua capacidade de conter em si raças, línguas, credos e costumes os
mais diversos.
Já faz algum tempo que a cidade
perdeu essa capacidade. Marx diz
que o homem moderno, privado
de meios de vida, é um indivíduo
abstrato. A abstração de que se
trata aqui, portanto, não é um
produto ideal do cérebro pensante. É o resultado da realidade material, objetiva. Desprovido de
meios de vida, ou seja, de propriedade e de dinheiro, o indivíduo é
concretamente, e miseravelmente, abstrato. A autonomia e a independência que ele aparenta revelam aí dolorosamente a ilusão em
que se constituem. Ele não é dono
e senhor de seu destino, não arbitra sobre a condução de sua vida,
apenas sobrevive, e mal, quando
consegue.
São Paulo é hoje uma grande
usina de produção de indivíduos
abstratos. A "generosidade" capitalista da cidade perdeu o fôlego.
O vendaval neoliberal que, há
mais de uma década, tomou de
assalto as periferias capitalistas
empilha aqui suas vitórias, mais
do que em qualquer outro lugar
do país. A continuidade escancarada dessa política pelo governo
"democrático e popular" que se
instalou no outro planalto pode
acabar de vez com o ar e sufocar a
metrópole em sua própria barbárie. Se hoje, apesar dos malabarismos oficiais e da beleza de Caetano cantando "Sampa" na São
João com a Ipiranga, as comemorações trazem indisfarçável desalento, daqui a 50 anos talvez não
haja rigorosamente mais nada o
que comemorar.
Leda Maria Paulani, 49, é professora do
Departamento de Economia da FEA-USP.
Excepcionalmente, hoje, a coluna
de Luiz Carlos Mendonça
de Barros não é publicada.
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