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São Paulo, domingo, 30 de março de 2003

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ATAQUE DO IMPÉRIO

ANÁLISE

Petróleo estatal alimenta ditadura e corrupção

AMITY SHLAES
DO "FINANCIAL TIMES"

O papel do petróleo no pós-guerra do Iraque foi um dos grandes temas da semana. Kofi Annan está pressionando pela continuação do velho programa de troca de petróleo por alimentos. A idéia de alguma forma institucionalizada de redistribuição das receitas é convincente.
Temos os curdos, há muito oprimidos, no norte do país. Há as demais vítimas de Saddam Hussein, que exigirão assistência na escala do Plano Marshall, bilhões de dólares que uma empresa nacional de petróleo seria capaz de gerar. Ansioso para provar que não é imperialista, Colin Powell declarou que o petróleo "pertence ao povo iraquiano".
Mas pertencer ao povo tende a se traduzir em pertencer ao governo. A suposição de que petróleo controlado pelo governo possa beneficiar os iraquianos é complicada. De fato, pode-se argumentar que a posse do petróleo pelo Estado foi a maldição do Iraque. Quando chegar a hora da reconstrução, a coisa mais importante que os EUA e o Reino Unido podem fazer para facilitar a estabilidade é privatizar as reservas iraquianas, mesmo que isso signifique receber a acusação de criar um "Texas no Tigre".
O controle estatal dos campos petroleiros, afinal, alimentou a ascensão de Saddam. O partido Baath chegou ao poder nos anos 60. Nos anos 70, as reservas iraquianas de petróleo foram nacionalizadas. Como no resto do mundo pós-colonial, a idéia era que o controle pelo Estado funcionaria melhor do que campos de petróleo de propriedade das potências imperialistas. Foi provado que isso estava errado.
Saddam usou o dinheiro do petróleo para fortalecer seu regime. Oprimiu os curdos para garantir o controle dos campos do norte do país. O dinheiro que o petróleo arrecadava lhe deu os meios de ascender de déspota padrão a ameaça apocalíptica.
O petróleo não promoveu a causa da liberdade iraquiana nos anos 90. O esquema de troca de petróleo por alimentos engendrado pela ONU foi elogiado como uma obra-prima de sanções "inteligentes". O Iraque era vigiado em sua vendas de petróleo para garantir que os bilhões assim auferidos fossem usados exclusivamente para adquirir alimentos e atender a outras necessidades humanitárias.
Mas o dinheiro também ajudou a garantir que as pessoas permanecessem agrilhoadas, já que Saddam conseguiu brechas para investir em fins militares. O programa reforçava o papel dele como pai e controlador dos recursos e tornou mais difícil derrubar o regime.
O Iraque não está sozinho. No Irã, o petróleo garantiu a ditadura fundamentalista. Em outros países em desenvolvimento dotados de petróleo controlado pelo Estado, os danos talvez tenham sido menos extremos, resultando em corrupção ou pobreza. Mas, ainda assim, esse sistema só causou danos. Terry Lynn Karl, da Universidade Stanford, escreve sobre os "petropaíses", cujas características incluem "extrema centralização do Executivo", "forte tendência ao expansionismo" e "a oportunidade desperdiçada de construir uma estrutura administrativa capacitada".
Para os defensores dos direitos de propriedade, é o controle estatal dos recursos naturais que é o problema. Isso milita contra o estabelecimento de alguma forma de programa de troca de petróleo por alimentos no Iraque antes que o regime se renda incondicionalmente. Poderia levar o regime a resistir aos seus oponentes, conduzindo a uma guerra de guerrilha prolongada, como no Vietnã. Mas até mesmo a entrega do controle dos campos depois da rendição a qualquer entidade nacional seria uma idéia perigosa.
O controle da riqueza do petróleo poderia corromper qualquer novo líder político iraquiano em questão de anos. Se as últimas décadas nos ensinaram alguma coisa, é que, assim que o hoje corajoso combatente da liberdade conquista petróleo, ele se torna o senhor da guerra petroleira do amanhã. De fato, uma medida da legitimidade de qualquer potencial líder seria a disposição de prometer manter o novo governo separado do petróleo.
Será que um conselho administrativo criado pela ONU seria menos vulnerável à corrupção? Não em longo prazo. E quanto aos contratos das empresas petroleiras russas com o Iraque? Eles não oferecerão problemas, desde que as companhias russas envolvidas sejam realmente privadas.
O argumento de que o "petróleo deveria ser privatizado" não é perfeito. Há sempre a possibilidade de que surja a Al Qaeda Petroleum Inc. Mas o que já se tornou claro é que, a fim de atingir a estabilidade política e econômica, os governos do Oriente Médio precisam dar aos seus cidadãos a chance de enriquecer, não importa o regime político adotado. E isso é praticamente impossível em um petropaís.


Tradução de Paulo Migliacci

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