São Paulo, domingo, 30 de março de 2008

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Governo quer licitar usina por tarifa menor

Regras vão continuar e hidrelétricas que perderem concessão serão licitadas por tarifas mais baixas, afirma ministro

A partir de 2015 começam a vencer contratos que não podem ser renovados; Lobão exime governo federal de fracasso da Cesp

VALDO CRUZ
HUMBERTO MEDINA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, disse à Folha que as regras atuais do setor elétrico não serão mudadas pelo fim do contrato de concessão de grandes hidrelétricas, muitas delas estatais federais.
Segundo o ministro, para o governo Lula, essas usinas devem ser licitadas, e o vencedor terá de vender energia mais barata do que os preços atuais, uma vez que essas hidrelétricas têm mais de 30 anos, e o investimento nelas já está pago. "O povo já pagou o custo delas."
A partir de 2015 começa a vencer uma série de contratos de concessão que não podem ser renovados. Além de duas usinas da Cesp, deverão ser licitadas hidrelétricas do porte de Xingó (Chesf, 3.162 MW).
Lobão diz que o governo federal não pode ser culpado pelo fracasso do leilão de privatização da Cesp e que o governador paulista, José Serra (PSDB), foi informado de que não era possível renovar a concessão de usinas que haviam passado por esse processo uma vez.
Indicado pelo senador José Sarney (PMDB-AP), Lobão acredita que venceu a desconfiança por ser um político em um ministério estratégico. Diz que não há risco de apagão e que poderia "vislumbrar" algum problema para 2010 caso não chova no país e as obras não sejam concluídas no prazo.
Senador peemedebista, ele diz que o governo não pode "esconder" atrasos em obras por problemas ambientais, mas diz estar trabalhando em conjunto com a colega Marina Silva (Meio Ambiente). A seguir, trechos da entrevista à Folha.

 

FOLHA - O sr. foi criticado ao ser nomeado por ser político. Dois meses depois, tem enfrentado problemas?
EDISON LOBÃO
- Procurei manter a equipe técnica do ministério, da melhor qualidade. Para as estatais, como Eletrobrás, procurei fazer indicações muitas vezes de origem política, mas de alta competência.

FOLHA - Qual o principal desafio no ministério, dois meses depois?
LOBÃO
- Cheguei ao ministério debaixo de desconfiança, quando se dizia que haveria racionamento, e que o ministro não tinha a experiência suficiente. Nada disso aconteceu e não tivemos racionamento.

FOLHA - Qual a avaliação do sr. sobre a segurança de fornecimento de energia neste ano, em 2009 e 2010?
LOBÃO
- Não teremos possibilidade de faltar energia neste ano. Não tenho preocupação com 2009. Agora, com 2010, se não houver chuvas no próximo ano, se não conseguirmos avançar com nossas providências quanto à construção de usinas, se as previsões quanto ao gás falharem, e não há por que falhar, nós poderíamos vislumbrar alguma dificuldade para 2010. Vislumbrar, não garantir. Com as providências que estamos tomando, inclusive com o adiamento de 15 dias na desmobilização das termelétricas, também estaremos garantindo a situação de 2010.

FOLHA - Mas existem riscos...
LOBÃO
- Tivemos dificuldade com as cinco hidrelétricas, que não são grandes, do rio Parnaíba [divisa PI/MA]. Houve atraso grande. Agora nos informa o Ibama que haverá novo atraso. As cinco usinas somadas vão produzir algo em torno de 570 MW. Se houver prejuízo, em matéria de atraso, como são hidrelétricas pequenas, não será muito grande.

FOLHA - Mas o Ibama diz que haverá atraso...
LOBÃO
- O Ibama teve atraso grande em 2007, houve atraso de novo agora, não foi só dele, mas também da Chesf [responsável pelas hidrelétricas do rio Parnaíba], que não entregou as informações que o Ibama solicitou. Estamos chamando a Chesf para cumprir com extrema rapidez as informações solicitadas. O Ibama prometeu que trabalhará em turnos extraordinários, e acertamos um encontro semanal do secretário-executivo de Minas e Energia com o do Meio Ambiente para que nivelem as divergências.

FOLHA - Há muitas divergências?
LOBÃO
- Existem muitas divergências, mas são removíveis. Eu espero que tenhamos um avanço do cronograma.

FOLHA - Como o governo está avaliando a questão do vencimento das concessões das usinas?
LOBÃO
- Vemos isso com uma perspectiva positiva para o consumidor. Estamos falando da Cesp, mas devemos dizer que os casos de Furnas, Eletronorte e Cemig são semelhantes. Toda vez que vencer a segunda concessão de usinas antigas, elas voltarão ao domínio da União, que fará leilões exigindo a tarifa menor. Elas já foram amortizadas. O povo já pagou o custo dela.

FOLHA - A posição do governo, então, é manter os leilões, não alterar as regras atuais?
LOBÃO
- A idéia é manter os leilões, com a exigência neles de tarifas mais baixas.

FOLHA - A política do governo é de fortalecer a Eletrobrás. Mas ela tem usinas com concessão vencendo em 2015. Mesmo para essas usinas a idéia é licitar ou ceder novamente para a Eletrobrás?
LOBÃO
- Nós não poderemos adotar para o sistema estatal um procedimento diferente do que se adota para a iniciativa privada. Aí seriam dois pesos e duas medidas diferentes. Os empresários têm grande preocupação com isso, me procuram com freqüência, e a eles tenho dito que o que ocorrer com as empresas privadas valerá para as estatais. A lei é uma só. Se o sistema Eletrobrás quiser participar dos leilões, e até deve participar, será estimulado a participar, mas dentro das mesmas regras.

FOLHA - Então a posição do atual governo é licitar Xingó, Furnas, manter as regras atuais?
LOBÃO
- Licitar todas as que tiverem concessões vencidas por mais de uma vez, manter as regras. Agora, se o futuro governo, o futuro legislador, entender que é melhor mudar... Mas tais regras terão de ser para todos e não só para o estatal.

FOLHA - Mas não seria possível adotar uma mudança para fortalecer o sistema estatal, privilegiá-lo?
LOBÃO
- Isso seria inadmissível. E a iniciativa privada não se sentiria estimulada a permanecer no Brasil, investindo, se as regras fossem diferentes.

FOLHA - No leilão da Cesp, houve uma movimentação política muito grande, o governador José Serra se reuniu com o presidente Lula, mas mesmo assim o leilão fracassou. Qual sua avaliação do processo, o governo federal tem alguma culpa?
LOBÃO
- Ninguém pode culpar o governo federal nesse episódio. A participação do governo federal foi no sentido de ajudar o de São Paulo.

FOLHA - Mas o governador José Serra tinha a expectativa de conseguir a renovação das concessões das usinas hidrelétricas da Cesp, o que poderia gerar um preço melhor. E muitos atribuem o fracasso do leilão a essa questão...
LOBÃO
- Poderá ter havido o raciocínio por parte do governador de São Paulo no sentido de que, como estarão vencendo pela segunda vez concessões das usinas da Cesp, também ocorrerá o mesmo com usinas do sistema Eletrobrás. Eventualmente, ele pode ter entendido que beneficiando a eles com a alteração da lei estaria também beneficiando as usinas do governo federal. Mas esse é apenas um raciocínio, não é o do governo.

FOLHA - E a ministra Marina Silva, como é o relacionamento com ela?
LOBÃO
- É minha amiga, colega de Senado, gosto muito dela. Muitas vezes nós nos impacientamos com as demoras também, que existem, de liberação dos certificados por parte do Ibama.
Percebo que ela também se impacienta, e acho que ela na medida do que pode procura ajudar. Nem sempre as coisas acontecem como desejamos. Agora, os atrasos existem e não podemos esconder.


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