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"No curto prazo, o melhor é elevar os juros"
Marcos Lisboa diz que medidas desse tipo ajustam a atividade econômica sem comprometer o crescimento mais tarde
Medidas institucionais, como restringir o crédito, geram ganhos no curto prazo, mas comprometem o crescimento no longo prazo
DO COLUNISTA DA FOLHA
Para Marcos Lisboa, a melhor medida de política econômica no curto prazo é a política
monetária. "No curto prazo, a
melhor coisa a fazer é aumentar os juros. A política monetária é capaz de ajustar a atividade no curto prazo sem comprometer a capacidade de crescimento do país. Com medidas
de restrição ao crédito, é possível até obter alguns ganhos no
curto prazo, mas pode comprometer o crescimento no longo
prazo." A seguir, a continuação
da entrevista do ex-secretário
de Política Econômica da Fazenda.
(GB)
FOLHA - Por que o senhor acha que
a melhor saída é aumentar os juros?
MARCOS LISBOA - A única coisa
que poderia ajudar é a redução
dos gastos correntes do governo. A vantagem da política monetária é que ela permite o
ajuste de curto prazo sem comprometer a capacidade de crescimento de longo prazo da economia. Trata-se de um instrumento com efeito temporário.
Por outro lado, medidas institucionais afetam a capacidade
de crescimento da economia
permanentemente. Várias vezes, no passado, o Brasil adotou
medidas dessa natureza, aumentando o compulsório e mudando regras de financiamento, entre outras. Claro que medidas dessa natureza desaceleram a economia. O problema é
que desaceleram de forma permanente. Mesmo que passe o
momento difícil de curto prazo,
a economia não volta a crescer
como antes, ao contrário do
que ocorre quando o ajuste é
feito por meio da política monetária. A melhor medida de
política econômica para se adotar no curto prazo é a política
monetária. No curto prazo, a
melhor coisa a fazer é aumentar os juros. O mundo inteiro
usa os juros. A política monetária é capaz de ajustar a atividade no curto prazo sem comprometer a capacidade de crescimento do país. Já se você adota
medidas institucionais, como
restringir o crédito, é possível
até obter alguns ganhos no curto prazo, mas pode comprometer o crescimento no longo prazo. É muito difícil depois desfazer o entulho de medidas institucionais equivocadas. Passamos a última década corrigindo
regras no setor de crédito, e
ainda restam muitos problemas herdados da década de 80,
de difícil solução. O Brasil já
tentou diversas vezes, no passado, crescer sem combater a
inflação, sem subir os juros ou
sem ajustar os gastos públicos.
Invariavelmente, algum eventual modesto sucesso no curto
prazo foi seguido por redução
do crescimento no médio prazo, algumas vezes comprometendo até mesmo o produto potencial por vários e vários anos,
como na década de 80. O governo criou uma série de amarras
institucionais, e o país demorou 15 anos para voltar a crescer. O receio é que é muito fácil
ceder à síndrome de abstinência cedendo à tentação. Sobretudo na política pública, quando a conta é paga apenas alguns
anos à frente. A boa notícia é
que em diversos momentos importantes o presidente Lula assegurou o rumo correto, garantindo o equilíbrio fiscal, o combate à inflação e valorizando o
crescimento da economia.
FOLHA - De que forma a crise internacional afeta o Brasil?
LISBOA - A crise internacional
tem nos afetado de duas formas: houve um aumento da inflação mundial e uma drástica
redução na liquidez internacional, com recursos mais caros,
em menor volume e em prazos
menores. Há um terceiro canal
de transmissão que é um eventual impacto no preço e no volume das nossas exportações. A
economia brasileira está bem
melhor do que no passado para
enfrentar essa grave crise. Anos
de uma política macroeconômica mais ortodoxa, com maior
volume de comércio exterior,
fortaleceram nossa economia.
A crise nos afeta, mas menos do
que nos afetaria no passado.
FOLHA - Quais são os principais riscos do país?
LISBOA - Vou me concentrar no
que temos algum controle, que
é na condução da política econômica. A evidência internacional indica que ajustes fiscais
baseados em redução de despesas tendem a ser mais duradouros e melhores para o crescimento econômico do que os baseados em aumento de receitas.
Uma das formas de aumentar
nossa robustez diante da crise
externa é aumentar a poupança
pública -significa que os gastos correntes crescem com menor rapidez. É importante que
o investimento público seja
preservado. Temos custos de
infra-estrutura desproporcionalmente elevados e seria importante que conseguíssemos
superar essa letargia histórica
do Estado em promover ou em
viabilizar alguma melhoria nos
nossos sistemas de transporte,
sobretudo portos, e na oferta de
energia, entre outros setores.
FOLHA - Os problemas regulatórios
não atrapalham os investimentos?
LISBOA - Do ponto de vista institucional, infelizmente, ainda
vivemos uma certa esquizofrenia. Avanços importantes são
seguidos de retrocessos. Não
conseguimos concluir o desenho das agências regulatórias, e
muitas vezes o debate se perde.
Confunde-se a eficácia das propostas com discordância de objetivos. Tenho a impressão de
que quando se diz que a quimioterapia não é boa para perna quebrada, se responde acusando o autor da frase de ser
contra a melhora do paciente.
Há um desconfortável preconceito, voluntarismo e pouca
análise dos dados e das experiências internacionais. Freqüentemente, em vez de se debater com argumentos, procura-se desqualificar o autor do
argumento. E, às vezes, pessoas
bem-intencionadas impõem
mudanças que pioram a vida
dos que querem ajudar. Como
no drama do príncipe Míchkin
[personagem de "O Idiota", de
Fiódor Dostoiévsky - 1821-81],
aquele que queria fazer o bem e
termina por fazer o mal.
FOLHA - Como assim?
LISBOA - A Lei do Inquilinato
de algumas décadas atrás, por
exemplo, procurava proteger o
inquilino, porém teve como
conseqüência reduzir drasticamente a oferta de novos imóveis. Aluguel antigo era barato,
só que pouquíssimos conseguiam novos aluguéis. Problema semelhante ocorreu com a
regulação do seguro-saúde na
década passada, que foi motivada por algo que ocorre em todos
os países: os custos de saúde sobem bem mais que a inflação.
Regulação e Judiciário bem-intencionados, porém com
pouca ciência, procuraram limitar o crescimento do custo. A
conseqüência, porém, foi o virtual fim da oferta do seguro-saúde individual pelas grandes
seguradoras. Como no caso do
inquilinato, quem tem plano
antigo não abre mão, quem não
tem não consegue, a menos que
seja empregado do setor formal, que tem outra regulamentação. Não estou dizendo que
não haja papel da regulação
nesses mercados. Muito pelo
contrário. Acho que há muita
regulação que, se bem feita,
melhoraria a vida das pessoas.
Regulação é um tema complexo, que deve ser feita com muito cuidado e análise técnica, e
que mal feita pode fazer mais
mal do que bem. Exemplo recente foi a regulação da crise
aérea antes da troca de comando na Anac. As medidas iniciais
equivocadas tiveram como
conseqüência mais atrasos,
passagens mais caras, menos
vôos e lucros menores para as
companhias. Todos perderam.
Por outro lado tivemos avanços: Bolsa Família e ProUni são
exemplos de boas reformas que
melhoram a eficácia da política
pública. Truman Capote gostava de dizer que as preces atendidas provavelmente geraram
mais lágrimas e arrependimento do que as não-atendidas.
Acho que o mesmo vale para as
diversas intervenções microeconômicas que desejam o bem
mas descuidam da técnica: seus
malefícios ultrapassam, em
muito, os poucos benefícios.
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