São Paulo, domingo, 30 de março de 2008

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"No curto prazo, o melhor é elevar os juros"

Marcos Lisboa diz que medidas desse tipo ajustam a atividade econômica sem comprometer o crescimento mais tarde

Medidas institucionais, como restringir o crédito, geram ganhos no curto prazo, mas comprometem o crescimento no longo prazo

DO COLUNISTA DA FOLHA

Para Marcos Lisboa, a melhor medida de política econômica no curto prazo é a política monetária. "No curto prazo, a melhor coisa a fazer é aumentar os juros. A política monetária é capaz de ajustar a atividade no curto prazo sem comprometer a capacidade de crescimento do país. Com medidas de restrição ao crédito, é possível até obter alguns ganhos no curto prazo, mas pode comprometer o crescimento no longo prazo." A seguir, a continuação da entrevista do ex-secretário de Política Econômica da Fazenda. (GB)

 

FOLHA - Por que o senhor acha que a melhor saída é aumentar os juros?
MARCOS LISBOA
- A única coisa que poderia ajudar é a redução dos gastos correntes do governo. A vantagem da política monetária é que ela permite o ajuste de curto prazo sem comprometer a capacidade de crescimento de longo prazo da economia. Trata-se de um instrumento com efeito temporário.
Por outro lado, medidas institucionais afetam a capacidade de crescimento da economia permanentemente. Várias vezes, no passado, o Brasil adotou medidas dessa natureza, aumentando o compulsório e mudando regras de financiamento, entre outras. Claro que medidas dessa natureza desaceleram a economia. O problema é que desaceleram de forma permanente. Mesmo que passe o momento difícil de curto prazo, a economia não volta a crescer como antes, ao contrário do que ocorre quando o ajuste é feito por meio da política monetária. A melhor medida de política econômica para se adotar no curto prazo é a política monetária. No curto prazo, a melhor coisa a fazer é aumentar os juros. O mundo inteiro usa os juros. A política monetária é capaz de ajustar a atividade no curto prazo sem comprometer a capacidade de crescimento do país. Já se você adota medidas institucionais, como restringir o crédito, é possível até obter alguns ganhos no curto prazo, mas pode comprometer o crescimento no longo prazo. É muito difícil depois desfazer o entulho de medidas institucionais equivocadas. Passamos a última década corrigindo regras no setor de crédito, e ainda restam muitos problemas herdados da década de 80, de difícil solução. O Brasil já tentou diversas vezes, no passado, crescer sem combater a inflação, sem subir os juros ou sem ajustar os gastos públicos. Invariavelmente, algum eventual modesto sucesso no curto prazo foi seguido por redução do crescimento no médio prazo, algumas vezes comprometendo até mesmo o produto potencial por vários e vários anos, como na década de 80. O governo criou uma série de amarras institucionais, e o país demorou 15 anos para voltar a crescer. O receio é que é muito fácil ceder à síndrome de abstinência cedendo à tentação. Sobretudo na política pública, quando a conta é paga apenas alguns anos à frente. A boa notícia é que em diversos momentos importantes o presidente Lula assegurou o rumo correto, garantindo o equilíbrio fiscal, o combate à inflação e valorizando o crescimento da economia.

FOLHA - De que forma a crise internacional afeta o Brasil?
LISBOA
- A crise internacional tem nos afetado de duas formas: houve um aumento da inflação mundial e uma drástica redução na liquidez internacional, com recursos mais caros, em menor volume e em prazos menores. Há um terceiro canal de transmissão que é um eventual impacto no preço e no volume das nossas exportações. A economia brasileira está bem melhor do que no passado para enfrentar essa grave crise. Anos de uma política macroeconômica mais ortodoxa, com maior volume de comércio exterior, fortaleceram nossa economia. A crise nos afeta, mas menos do que nos afetaria no passado.

FOLHA - Quais são os principais riscos do país?
LISBOA
- Vou me concentrar no que temos algum controle, que é na condução da política econômica. A evidência internacional indica que ajustes fiscais baseados em redução de despesas tendem a ser mais duradouros e melhores para o crescimento econômico do que os baseados em aumento de receitas. Uma das formas de aumentar nossa robustez diante da crise externa é aumentar a poupança pública -significa que os gastos correntes crescem com menor rapidez. É importante que o investimento público seja preservado. Temos custos de infra-estrutura desproporcionalmente elevados e seria importante que conseguíssemos superar essa letargia histórica do Estado em promover ou em viabilizar alguma melhoria nos nossos sistemas de transporte, sobretudo portos, e na oferta de energia, entre outros setores.

FOLHA - Os problemas regulatórios não atrapalham os investimentos?
LISBOA
- Do ponto de vista institucional, infelizmente, ainda vivemos uma certa esquizofrenia. Avanços importantes são seguidos de retrocessos. Não conseguimos concluir o desenho das agências regulatórias, e muitas vezes o debate se perde. Confunde-se a eficácia das propostas com discordância de objetivos. Tenho a impressão de que quando se diz que a quimioterapia não é boa para perna quebrada, se responde acusando o autor da frase de ser contra a melhora do paciente. Há um desconfortável preconceito, voluntarismo e pouca análise dos dados e das experiências internacionais. Freqüentemente, em vez de se debater com argumentos, procura-se desqualificar o autor do argumento. E, às vezes, pessoas bem-intencionadas impõem mudanças que pioram a vida dos que querem ajudar. Como no drama do príncipe Míchkin [personagem de "O Idiota", de Fiódor Dostoiévsky - 1821-81], aquele que queria fazer o bem e termina por fazer o mal.

FOLHA - Como assim?
LISBOA
- A Lei do Inquilinato de algumas décadas atrás, por exemplo, procurava proteger o inquilino, porém teve como conseqüência reduzir drasticamente a oferta de novos imóveis. Aluguel antigo era barato, só que pouquíssimos conseguiam novos aluguéis. Problema semelhante ocorreu com a regulação do seguro-saúde na década passada, que foi motivada por algo que ocorre em todos os países: os custos de saúde sobem bem mais que a inflação.
Regulação e Judiciário bem-intencionados, porém com pouca ciência, procuraram limitar o crescimento do custo. A conseqüência, porém, foi o virtual fim da oferta do seguro-saúde individual pelas grandes seguradoras. Como no caso do inquilinato, quem tem plano antigo não abre mão, quem não tem não consegue, a menos que seja empregado do setor formal, que tem outra regulamentação. Não estou dizendo que não haja papel da regulação nesses mercados. Muito pelo contrário. Acho que há muita regulação que, se bem feita, melhoraria a vida das pessoas.
Regulação é um tema complexo, que deve ser feita com muito cuidado e análise técnica, e que mal feita pode fazer mais mal do que bem. Exemplo recente foi a regulação da crise aérea antes da troca de comando na Anac. As medidas iniciais equivocadas tiveram como conseqüência mais atrasos, passagens mais caras, menos vôos e lucros menores para as companhias. Todos perderam. Por outro lado tivemos avanços: Bolsa Família e ProUni são exemplos de boas reformas que melhoram a eficácia da política pública. Truman Capote gostava de dizer que as preces atendidas provavelmente geraram mais lágrimas e arrependimento do que as não-atendidas. Acho que o mesmo vale para as diversas intervenções microeconômicas que desejam o bem mas descuidam da técnica: seus malefícios ultrapassam, em muito, os poucos benefícios.


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