São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Juros indecentes

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O Banco Central perdeu, na semana passada, uma oportunidade de reduzir as taxas de juro. A inflação está razoavelmente bem-comportada. Não parece ser motivo para grandes preocupações. Já o nível de atividade da economia tem dado sinais sucessivos de fraqueza, provocada em boa medida pelos juros extremamente elevados e pela escassez de crédito.
Os últimos dados divulgados pelo IBGE indicam que o PIB real cresceu apenas 0,3% nos 12 meses até março. Os rendimentos médios estão acusando queda em termos reais e as taxas de desemprego e subemprego permanecem muito altas.
Na região metropolitana de São Paulo, a taxa de desemprego total (no conceito mais amplo adotado na pesquisa Seade-Dieese) chegou a 20,4% em abril, valor mais alto registrado desde o início da série, em 1985. Em Belo Horizonte, a taxa de desemprego total alcançou 18,9% (dado de março). Em Recife, 19,9% (fevereiro). Em Salvador, 27,3% (fevereiro). Em Porto Alegre, 15,8% (março). No Distrito Federal, 19% (dezembro). Na região do ABC, 20% (abril).
A redução da taxa de juro, além de estimular a reativação da economia, contribuiria para diminuir o custo da dívida pública interna, a maior parte da qual é de prazo curto ou referenciada à taxa de juro de curto prazo. A própria recuperação dos níveis de produção e emprego favoreceria as contas públicas, pois ampliaria a arrecadação tributária e diminuiria certos tipos de gastos, como a assistência aos desempregados.
O Banco Central teme aparentemente o efeito de uma queda dos juros sobre a taxa de câmbio. É verdade que uma depreciação adicional do real dificultaria em alguma medida o controle da inflação e aumentaria os custos da dívida pública externa e da dívida interna indexada ao câmbio.
Mas a restrição fundamental continua sendo a vulnerabilidade externa. Recorde-se que o modesto superávit na balança comercial só está sendo alcançado porque a economia continua muito desaquecida. Se a economia brasileira crescesse em ritmo satisfatório, a balança comercial voltaria a registrar déficits. Desse ponto vista, portanto, uma depreciação cambial seria, dentro de certos limites, bem-vinda. Uma forma de provocá-la é reduzir a taxa de juro.
A taxa de juro brasileira ainda é uma das mais altas do mundo. Num conjunto de 23 economias "emergentes", só a Venezuela apresenta atualmente juros reais de curto prazo superiores aos do Brasil. A taxa de juro real de curto prazo, definida como a taxa nominal descontada a inflação dos últimos 12 meses, chega a 9,7% no Brasil. A média para as outras 22 economias é de 2,9%. Nos EUA, a taxa de curto prazo é de apenas 0,2% em termos reais. Na área do euro, 1,1%. No Japão, 1,2%.
Em suma, o Brasil pratica juros indecentes. Não se deve perder de vista que essa taxa de curto prazo, mais ou menos equivalente ao custo de captação dos bancos, corresponde a menos de um terço da taxa média cobrada pelo sistema financeiro. Nas operações com recursos livres, as empresas vêm pagando mais de 40% em termos nominais para créditos de cerca de 180 dias de prazo, em média. As pessoas físicas, aproximadamente 70% para operações de 314 dias, em média.
Com taxas de juro como essas, que economia consegue funcionar?


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é ..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
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