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VINICIUS TORRES FREIRE
Euforia e conspiração do silêncio
Alegria economicista, povo feliz com caraminguás, festa no mercado, Estado podre: país faz enfim o "pacto social"
O PAC PASSOU quase inteirinho
no Congresso. Ontem, o Senado aceitou a medida provisória que cria um fundo de investimento de infra-estrutura financiado
pelo dinheiro do FGTS, uma linha
de crédito de R$ 17 bilhões lastreada
em poupança forçada e de parco
rendimento para o trabalhador. Era
medida "polêmica" faz algumas semanas, quando não se falava de empreiteiras, lençóis da República e
envelopes pardos de dinheiro. De
importante no PAC, falta a contenção de aumentos para servidores e a
indexação do salário mínimo ao PIB.
Também naquelas semanas de
"polêmica", os povos do "mercado"
escarneciam do PAC, o PIB parecia
menor do que era e o dinheiro grosso do planeta vivia fases de hesitação
devido à ruína do mercado imobiliário americano. Agora volta a investir
em "n'importe quoi" e até começa a
faltar "qualquer coisa" para se investir. Os financistas que compram, enxugam e revendem empresas e que
turbinam as Bolsas mundiais, os tais
fundos de "private equity", começam a dizer que viram algumas luzes
apagadas no fim do túnel.
Trovejou, mas não choveu no
mercado dos EUA, a festa do dinheiro recomeçou com ainda mais força,
o Brasil deve menos e cresce mais do
que parecia e, com ou sem "reformas", "incerteza jurisdicional" e
"problemas regulatórios" ganhou a
medalhinha do escoteiro-mirim dos
mercados, o "grau de investimento"
para sua dívida pública interna.
Trata-se de um "nihil obstat" para
alguns grandes investidores, a nota
de "nome limpo na praça" que consultores internacionais (agências de
avaliação de crédito) conferem a
países e empresas que, acreditam,
não darão calotes ou não entrarão
em crise financeira. Agora, a economia do Brasil nunca esteve tão bem,
as "reformas funcionaram" (e as que
faltavam?), o dólar teve uma "crise
psicológica" diante do real etc etc.
Diga-se de passagem parentética,
que os asiáticos "grau de investimento" entraram em parafuso financeiro em 1997. A Rússia, caloteira da classe de 1998, "desapropriou"
a petroleira-mor do país logo após
receber a medalhinha do mercado.
O PIB do México, que ganhou a medalhinha faz tempo, se arrasta no
deserto próximo do Texas. A China,
que dá bananas para todos e tudo isso, segue forte e sacudida. "Grau de
investimento" é conta de padaria:
"não tem inflação, tem dinheiro (dólar) para nos pagar? Ok, tá liberado".
O povo, que ignora comparações
internacionais ou estatísticas de
longo prazo, está mais felizinho,
compra mais no supermercado e na
loja de ferragens. Um cínico poderia
dizer que o povo "tout court" e os
"povos do mercado" se merecem.
Nesse ambiente de confraternização geral, derrota da oposição, capitulação do pensamento crítico, bajulação do governo e ruína dos partidos, parlamentares, coronelatos regionais e Poderes apodrecidos do
Estado conspiram contra o cidadão.
O Congresso, se quisesse imitar a
Polícia Federal, poderia chamar de
Operação Omertá a conspiração do
silêncio que desencadeou para abafar a atual onda de bandalheira grossa, a terceira desde o início do governo Lula (mensalão, sanguessugas,
Gautama) -omertá é o código de silêncio que a cúpula das quadrilhas
tradicionais italianas exige de pares
e vassalos. Quem se importa?
vinit@uol.com.br
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