São Paulo, quarta-feira, 30 de maio de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Euforia e conspiração do silêncio

Alegria economicista, povo feliz com caraminguás, festa no mercado, Estado podre: país faz enfim o "pacto social"

O PAC PASSOU quase inteirinho no Congresso. Ontem, o Senado aceitou a medida provisória que cria um fundo de investimento de infra-estrutura financiado pelo dinheiro do FGTS, uma linha de crédito de R$ 17 bilhões lastreada em poupança forçada e de parco rendimento para o trabalhador. Era medida "polêmica" faz algumas semanas, quando não se falava de empreiteiras, lençóis da República e envelopes pardos de dinheiro. De importante no PAC, falta a contenção de aumentos para servidores e a indexação do salário mínimo ao PIB.
Também naquelas semanas de "polêmica", os povos do "mercado" escarneciam do PAC, o PIB parecia menor do que era e o dinheiro grosso do planeta vivia fases de hesitação devido à ruína do mercado imobiliário americano. Agora volta a investir em "n'importe quoi" e até começa a faltar "qualquer coisa" para se investir. Os financistas que compram, enxugam e revendem empresas e que turbinam as Bolsas mundiais, os tais fundos de "private equity", começam a dizer que viram algumas luzes apagadas no fim do túnel.
Trovejou, mas não choveu no mercado dos EUA, a festa do dinheiro recomeçou com ainda mais força, o Brasil deve menos e cresce mais do que parecia e, com ou sem "reformas", "incerteza jurisdicional" e "problemas regulatórios" ganhou a medalhinha do escoteiro-mirim dos mercados, o "grau de investimento" para sua dívida pública interna.
Trata-se de um "nihil obstat" para alguns grandes investidores, a nota de "nome limpo na praça" que consultores internacionais (agências de avaliação de crédito) conferem a países e empresas que, acreditam, não darão calotes ou não entrarão em crise financeira. Agora, a economia do Brasil nunca esteve tão bem, as "reformas funcionaram" (e as que faltavam?), o dólar teve uma "crise psicológica" diante do real etc etc.
Diga-se de passagem parentética, que os asiáticos "grau de investimento" entraram em parafuso financeiro em 1997. A Rússia, caloteira da classe de 1998, "desapropriou" a petroleira-mor do país logo após receber a medalhinha do mercado.
O PIB do México, que ganhou a medalhinha faz tempo, se arrasta no deserto próximo do Texas. A China, que dá bananas para todos e tudo isso, segue forte e sacudida. "Grau de investimento" é conta de padaria: "não tem inflação, tem dinheiro (dólar) para nos pagar? Ok, tá liberado".
O povo, que ignora comparações internacionais ou estatísticas de longo prazo, está mais felizinho, compra mais no supermercado e na loja de ferragens. Um cínico poderia dizer que o povo "tout court" e os "povos do mercado" se merecem.
Nesse ambiente de confraternização geral, derrota da oposição, capitulação do pensamento crítico, bajulação do governo e ruína dos partidos, parlamentares, coronelatos regionais e Poderes apodrecidos do Estado conspiram contra o cidadão.
O Congresso, se quisesse imitar a Polícia Federal, poderia chamar de Operação Omertá a conspiração do silêncio que desencadeou para abafar a atual onda de bandalheira grossa, a terceira desde o início do governo Lula (mensalão, sanguessugas, Gautama) -omertá é o código de silêncio que a cúpula das quadrilhas tradicionais italianas exige de pares e vassalos. Quem se importa?


vinit@uol.com.br

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