|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Cigarras, formigas e efeitos especiais
No Brasil, os dez principais produtos de exportação
representaram apenas 35%
das exportações em 2006
UM ESPECTRO ronda o Brasil
-o espectro das más idéias.
A mais recente é a proposta
de tributar as exportações de commodities para reduzir seu ímpeto e
depreciar a moeda, supostamente
justificada pelos casos do Chile e da
Noruega, países que tributam as exportações de cobre e petróleo, respectivamente. No entanto, à parte o
mérito de reconhecer que o desempenho das exportações (e não a taxa
de juros) é o principal fator de pressão sobre a moeda, uma análise detalhada indica que, no ranking das
más sugestões, esta ocupa lugar de
destaque.
Os números são eloqüentes: na
Noruega, petróleo e gás representam 64% das exportações totais e
62% das novas exportações; no Chile, o cobre abrange 56% das exportações, o equivalente a 72% das novas
exportações. A dependência dessas
economias de commodities, porém,
não cessa aí. No caso chileno, por
exemplo, o cobre também representou receita fiscal de 5% do PIB (Produto Interno Bruto) no ano passado.
Vale dizer, nesses países tanto o
desempenho fiscal como as contas
externas estão fortemente ligados a
uma única commodity, de preço volátil e não-renovável. Não é necessário grande esforço para concluir que
a simples prudência recomenda
poupar ganhos extraordinários para
dias menos felizes. Em tais períodos,
os dividendos desses fundos, se bem
aplicados, mantêm o balanço de pagamentos em boa forma e evitam
cortes drásticos dos gastos públicos.
Afora a questão cíclica, dois outros
pontos são relevantes. Como cobre e
petróleo são finitos, não é justo que
as gerações correntes se apropriem
de toda a riqueza; parte deve ser
poupada para as gerações futuras.
Por fim, nos dois países, as empresas
produtoras são estatais, de modo
que as decisões de produção e exportação de commodities são menos sensíveis à tributação que as tomadas por empresas privadas.
No Brasil, em contraste, os dez
principais produtos de exportação
representaram apenas 35% das exportações em 2006 (41% das novas
exportações) e fração ainda menor
dos tributos. Em outras palavras,
não há um quadro de dependência
fiscal ou de balanço de pagamentos
que se assemelhe ao dos países acima para justificar a adoção dessa política, que só serviria assim para aumentar a carga tributária, sem contar que o país já dispõe de US$ 135
bilhões de reservas.
É verdade que petróleo e minérios
são finitos, mas já se pagam royalties
pela sua exploração. Só não perguntem se esses recursos estão sendo
devidamente poupados para o bem
das gerações vindouras. Por fim, são
empresas privadas que respondem
pelo grosso das exportações brasileiras, o que sugere uma resposta
bem mais negativa à taxação que no
Chile ou Noruega: pelo contrário, os
volumes embarcados devem cair.
Trata-se, pois, de mera importação de uma idéia sem maior preocupação com o entorno em que foi gerada nem com o ambiente no qual
seria aplicada. Curiosa ironia para
quem sempre criticou a teoria econômica tradicional por supostamente refletir as condições de países desenvolvidos sem consideração
pelas especificidades nacionais...
PS: e o Oscar de efeitos especiais
vai para Paulo Francini, segundo
quem os 300 mil novos empregados
da indústria são cortadores de cana,
9% de aumento no investimento
não é indicação clara de crescimento e que, decerto por amnésia, não
menciona que a expansão do primeiro trimestre deste ano foi ainda
mais forte que no último trimestre
de 2006.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 44, economista-chefe para América Latina do Banco Real, é doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
Internet: http://maovisivel.blogspot.com/
alexandre.schwartsman@hotmail.com
Texto Anterior: Cade apontou ação em cartel; empresa nega Próximo Texto: Vinicius Torres Freire: Euforia e conspiração do silêncio Índice
|