São Paulo, domingo, 30 de junho de 2002

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MERCADO EM TRANSE

Prêmio Nobel credita turbulência ao fluxo de capitais de curto prazo e descarta "efeito Lula" ou Argentina

Especulação traz crise ao Brasil, diz Stiglitz

France Presse - 11.out.01
Joseph Stiglitz, ex-nš 2 do Bird e Prêmio Nobel de Economia


DO "CLARÍN"

A crise financeira por que passa o Brasil é fruto da instabilidade causada pela exposição ao capital especulativo. É o que afirma o Prêmio Nobel de Economia em 2001, Joseph Stiglitz. Mas há um fator positivo: o mundo começa a perceber o problema dos fluxos de capital de curto prazo -embora ainda não se saiba como solucioná-lo.
"Há que observar a realidade. Índia e China não abriram seus mercados de capitais e são os países que, até o momento, demonstraram maior estabilidade e que melhor atravessaram as crises financeiras mundiais."
Número dois do Banco Mundial em 1997 (ano da crise asiática), Stiglitz tornou-se um dos mais severos críticos do FMI (Fundo Monetário Internacional). Diz que sua receita acaba trazendo desemprego, analfabetismo e fome.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

 

Pergunta - O Brasil hoje traz grande preocupação. Muitos culpam a Argentina pela instabilidade no país. Outros dizem que o problema é o medo de que Lula seja eleito. Qual é a sua opinião?
Stiglitz -
Que isso é outra manifestação da instabilidade gerada pelos fluxos de capitais de curto prazo. O Brasil é uma amostra clara das dificuldades a que os países se vêem expostos diante desses capitais, que podem causar grande desestabilização. Os países ricos conseguem resistir a isso. Mas, para os pobres, é mais difícil.
O bom é que enfim se começa a compreender que se trata de um problema, ainda que não se saiba ainda como solucioná-lo ou o que fazer a respeito. Mas há que observar a realidade. Índia e China não abriram seus mercados de capitais e são os países que, até o momento, demonstraram maior estabilidade e que melhor atravessaram a enorme quantidade de crises financeiras mundiais.

Pergunta - Os EUA disseram que não ajudarão o Brasil. Há quem veja por trás dessa indiferença uma estratégia: caso a crise avance e derrube o Mercosul, seria mais fácil aos EUA impor a Alca. Haveria uma intenção por trás dessa atitude?
Stiglitz -
Não, não creio que eles compreendam bem o que se passa a ponto de lhes propiciar uma idéia inteligente como essa (risos). Obviamente, há muito existe preocupação, dada a liderança do Brasil no Mercosul e a concorrência entre esse bloco e a Alca. Isso é fato. Mas não creio que os EUA correriam o risco de desestabilizar a América Latina para atingir esse objetivo. Se assim fosse, haveria uma contradição para com a nova política agrícola norte-americana -a qual, dado seu protecionismo, gerou uma união da América Latina contra a Alca.

Pergunta - Em Wall Street, há quem fale de uma moratória brasileira no final do ano. Nesse caso, toda a América Latina estará em perigo? Pode haver uma crise financeira mundial?
Stiglitz -
Não creio. Os mercados de capitais são hoje muito mais diversificados do que no passado. Quando a Argentina caiu, não houve impacto sobre os mercados mundiais. Foi possível resistir à crise, porque ela foi prevista, e ajustes foram realizados. E, ante o total dos mercados financeiros, a América Latina representa uma porcentagem pequena.
A crise na América Latina, em si, não seria um fator de desestabilização importante, mas, se somarmos outros problemas, como o escândalo da Enron e o da WorldCom, haverá crise de confiança nas instituições. O efeito cumulativo das crises poderia ter repercussões sérias.

Pergunta - Essas crises podem ser indicadores de que o capitalismo mundial entrou em uma nova fase?
Stiglitz -
Sim. Evidentemente, cada década é distinta. Nos anos 70, houve a crise do petróleo. Nos 80, os excessos direitistas de Thatcher e Reagan; nos anos 90, a globalização. E agora estamos começando a nos dar conta de alguns dos excessos dos anos 90 e teremos de pagar por eles. Com sorte poderemos adotar uma perspectiva mais equilibrada, que reconheça qual deve ser o papel dos governos e qual o dos mercados.

Pergunta - No seu livro, o sr. deixa claro que os erros do FMI derivam de decisões políticas. Que setores influenciam e tiram proveito dessas decisões?
Stiglitz -
Há alguns casos em que se pode falar de critérios equivocados. O que proponho é que os erros são tendenciosos. O FMI sistematicamente se preocupa mais com a inflação do que com o desemprego, porque sua lógica funciona assim. O que eu tento fazer com que compreendam é que o Fundo se inclina demais à contração, e isso provoca queda da atividade econômica, perda de empregos, deterioração ou interrupção da educação e um incremento perigoso na desnutrição.
O Fundo diz que a dívida tem de ser mantida em dia. Os acordos precisam ser honrados. Mas muitas vezes cumprir um acordo de crédito implica romper um acordo igualmente importante, o contrato social de um governo com seu povo: manter o pleno emprego, garantir a segurança social.

Pergunta - Custa crer que o FMI seja inocente quando recomenda esses medicamentos que pioram a saúde do paciente, como no caso da Argentina, onde há pressão por austeridade fiscal em meio a uma profunda recessão. É evidente que não é uma boa recomendação.
Stiglitz -
Exatamente. Praticamente todos os economistas concordariam com isso. Sobretudo porque o estado das finanças da Argentina não é tão ruim como o Fundo optou por descrever. De fato, em termos de razão entre o PIB e o déficit, o indicador não era tão elevado, de acordo com a maioria dos critérios.


Tradução de Paulo Migliacci

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