São Paulo, domingo, 30 de junho de 2002

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MERCADO EM TRANSE

Joseph Stiglitz contesta eficácia de dinheiro do Fundo

Argentina não precisa do FMI, afirma economista

DO "CLARÍN"

A Argentina não precisa do dinheiro do FMI. Aliás, nenhum país. Joseph Stiglitz contesta a via única do Fundo e lembra que países como a Malásia e a Rússia desafiaram o receituário da instituição e conseguiram sair da crise. E que a China atraiu investimentos sem privatizar rapidamente.
Stiglitz afirma que o dinheiro do FMI de nada vale se não for empregado na retomada da produção pelas empresas -o que faz uma economia se recuperar.
"Caso a Argentina consiga satisfazer o Fundo e obtenha mais dinheiro, a maior parte das verbas será destinada ao FMI, ao BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e ao Bird (Banco Mundial). Não ajudará em nada a Argentina."
Leia a seguir a continuação da entrevista:

 

Pergunta - O discurso dominante hoje na Argentina insiste em que ou o país fecha o acordo com o Fundo Monetário Internacional ou será expulso do mundo, uma espécie de descida ao inferno. O senhor concorda? É a única alternativa ou se trata de uma falsa opção?
Joseph Stiglitz -
O argumento de que não existe senão uma alternativa é basicamente uma falácia. Vou lhes dar três exemplos que demonstram a possibilidade de tomar um rumo independente. A Malásia, em plena crise, disse ao FMI que não queria ajuda e que faria exatamente o contrário do que eles recomendavam: controles de capital, política fiscal de gastos e manutenção de baixas taxas de juros. Resultado: recuperaram-se rapidamente e estão hoje em posição melhor.
Todas as coisas terríveis que o FMI disse que aconteceriam se suas recomendações não fossem seguidas acabaram não se confirmando. Na verdade, ainda que a história do país em termos de direitos humanos não seja a melhor do mundo, existe enorme interesse internacional em investir na Malásia.
O segundo exemplo é aquilo que a Rússia fez depois de sua moratória. O Kremlin reconheceu que a maior parte do dinheiro que o FMI emprestaria à Rússia seria destinada a pagar instituições financeiras internacionais. Sabia que essas entidades não queriam registrar grandes prejuízos em suas contabilidades. O Fundo deixou bem claro que não estava disposto a fazer grandes concessões. A Rússia negociou bem com o Fundo, obteve o dinheiro e desvalorizou sua moeda, algo que o FMI lhe havia instruído a não fazer. E começou a crescer precisamente porque desvalorizou o rublo.
O terceiro exemplo é o mais bem-sucedido: a China. Seguiu um rumo muito diferente. Tem controles de capital, não privatizou rápido demais. Fez tudo à sua maneira. E, como se saiu bem, obteve mais investimento internacional que qualquer outro país do mundo, fora os EUA.

Pergunta - Rússia e China têm dimensões e um poder que a Argentina não tem, o de dizer "não" ao FMI. E a Argentina talvez tenha feito concessões rápido demais para dizer, agora, que daqui por diante não cederá mais.
Stiglitz -
A questão fundamental para a Argentina hoje não é o dinheiro de fora. E não sou o único a pensar assim. Economistas com opiniões muito diversas concordam comigo, como Martin Feldstein, que escreveu para o "The Wall Street Journal" um artigo intitulado "A Argentina não precisa do FMI".
Caso a Argentina consiga satisfazer o Fundo e obtenha mais dinheiro, a maior parte das verbas será destinada ao próprio FMI, ao BID e ao Bird. Não ajudará em nada a Argentina. Porque o dinheiro oficial estrangeiro não é o que vai ajudar as empresas argentinas a começar a aumentar sua produção. E é isso o que falta a elas agora: os setores produtivos têm de produzir bens e exportá-los.

Pergunta - E como fazer para iniciar a produção sem dinheiro?
Stiglitz -
É necessário obter alguma gasolina para fazer o motor pegar. E boa parte do trabalho pode ser feita por meio de créditos de exportação. Quando o México conseguiu reativar sua economia, não foi o dinheiro do FMI que fez as coisas mudarem. O que restabeleceu a economia foi o comércio e o dinheiro que apareceram para financiar exportações, obtidos de empresas dos EUA. O que faz uma economia se recuperar é a retomada da produção pelas empresas.

Pergunta - Voltamos sempre ao mesmo ponto, o México recebeu dinheiro, mas a Argentina...
Stiglitz -
Insisto. A questão não é simplesmente ter o dinheiro, mas aplicá-lo no lugar indicado. O dinheiro precisa ir para essas empresas a fim de financiar sua produção. Mas o dinheiro que o FMI tem não será destinado a essas empresas. O que convém a elas é dinheiro do Banco de Desenvolvimento, necessitam que o dinheiro financie a atividade creditícia, para reativar os bancos, precisam de dinheiro para créditos comerciais e de investidores que estimulem o investimento. Não convém à Argentina o dinheiro que entra e sai do país.

Pergunta - Se a Merrill Lynch foi a julgamento pelas más recomendações que fez, ou se um médico pode ser julgado por imperícia, seria possível julgar e condenar o FMI pelos erros que provocam fome?
Stiglitz -
Com certeza. Uma de minhas principais críticas é que o Fundo como assessor econômico deveria definir que alternativas existem, qual é o impacto sobre os diferentes grupos, quais são os riscos e as incertezas, e deixar que o país tome as decisões.
O FMI pretende ditar uma política específica e finge que ela é única que existe e também que está mais seguro do que realmente está quanto aos efeitos dessa política. Uma de minhas principais queixas é essa: trata-se de uma função pouco apropriada a um assessor.

Pergunta - No seu livro, o sr. diz que a ciência econômica pode fazer muito pelos pobres. Por que acaba sendo uma ferramenta dos ricos?
Stiglitz -
Por isso a democratização é tão importante. Se há debates sobre as diferentes alternativas, quando se as aplica, as pessoas percebem que tal política acarreta tais consequências e optam por outra idéia. Dessa forma, as pessoas elegem a melhor política por meio do voto.

Pergunta - Normalmente os economistas falam em código e depois sentenciam o que é o melhor.
Stiglitz -
Por isso tão importante quanto os economistas apresentarem as alternativas é que a sociedade exija saber quais são, para escolher as que mais a beneficiem.

Pergunta - E o que fazemos com o medo do FMI?
Stiglitz -
Já disse. Primeiro é preciso reconhecer que o que atrairá os investidores em geral é o sucesso. E o crescimento. Não se atrai investidores quando há depressão. E, se o FMI aconselha uma depressão, isso não serve de nada.


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