São Paulo, domingo, 30 de junho de 2002

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CÂMBIO

Euro chega perto da paridade com a moeda americana, abalada com a desconfiança sobre a recuperação do país

Mudanças nos EUA afetam força do dólar

PERONET DESPEIGNES
DO "FINANCIAL TIMES", EM WASHINGTON

Três premissas básicas sustentavam o dólar, como pilares de concreto, permitindo que ele resistisse a implosões das Bolsas, agitações políticas, ataques terroristas, déficits comerciais cada vez maiores, explosões no Oriente Médio e recessões que marcaram os últimos anos:
1) O setor de alta tecnologia -a chamada nova economia- se recuperaria da recessão e continuaria por tempo indefinido a gerar crescimento superior ao de outras grandes economias.
2) As condições geopolíticas e a política econômica continuariam a ser favoráveis.
3) Em consequência das duas anteriores, os juros reais nos EUA continuariam altos.

Nova realidade
Essas premissas estão caindo por terra, fazendo o dólar aproximar-se da paridade com o euro, pela primeira vez desde fevereiro de 2000.
O fluxo de investimentos estrangeiros que sustentou o dólar no passado está diminuindo devido ao temor de que a economia dos Estados Unidos, embora continue numa posição à frente das outras, não consiga manter a dianteira considerável que desfrutou em relação às outras grandes economias, durante todo o final dos anos 1990.
De fato, a fraqueza do dólar parece estar ligada muito mais a dúvidas com relação ao futuro da economia americana do que à confiança no futuro da zona do euro, onde o crescimento continua fraco, a inflação ainda preocupa, as Bolsas continuam sem vigor e as perspectivas de uma mudança significativa em direção a uma política mais pró-mercado e a um dinamismo em estilo americano ainda se configuram distantes da realidade.
Como prova disso, tanto o dólar quanto o euro caíram para seu ponto mais baixo em anos em comparação com algo que alguns economistas vêem como sendo o padrão monetário mais importante de todos: o ouro.
O dólar e a confiança na economia e na política que estão por trás dele estão caindo mais rápido, só isso.
Essa erosão reflete o fato de que, segundo alguns analistas, o dólar estava "perfeitamente apreçado" antes de os economistas começarem a avaliar as imperfeições da economia americana.
O dólar se manteve forte durante toda a recessão do ano passado. Só começou a oscilar de maneira significativa neste ano, quando se tornou claro para os investidores que a nova economia -o misto de inflação baixa e crescimento econômico acelerado liderado pelo setor de alta tecnologia- não ia retornar para pôr fim à recessão no país.
O crescimento econômico tem sido anêmico e aleatório, liderado pelo setor automotivo, o habitacional e outros que integram a "velha economia", o que se reflete no fato de que a média industrial Dow Jones superou o índice Nasdaq durante o ano todo.
Também pesou sobre o dólar o medo de que os esforços feitos pelos Estados Unidos para se protegerem contra o terrorismo reduzam sua eficiência econômica -que tempo, energia, mão-de-obra e capital em quantidades consideráveis sejam desviados para a segurança, à custa da inovação privada e da produção de outros bens e serviços.
Ao mesmo tempo, os EUA deram passos para impor tarifas ao aço e à madeira e para ampliar seus subsídios agrícolas. A perspectiva de novas medidas de segurança serem adotadas em portos e nos postos de travessia das fronteiras dos EUA suscitaram temores quanto a novos obstáculos à globalização e aos benefícios geradores de produtividade que ela proporcionou para a economia ao longo dos últimos dez anos.

Crise de confiança
Soma-se a tudo isso a crise contínua, pós-Enron, de confiança dos investidores na qualidade da direção e da contabilidade das maiores corporações americanas.
A fraqueza renovada da economia reduziu as taxas de juros americanas, que já são inferiores às vigentes na Europa ocidental, tornando os Estados Unidos um lugar ainda menos atraente para os investidores em renda fixa, em todo o planeta.
A sensibilidade do dólar em relação a tudo isso é ampliada pela profunda dependência nacional na poupança externa. O déficit comercial de US$ 450 bilhões por ano requer cerca de US$ 1,2 bilhão por dia em fluxos líquidos de capital estrangeiro para manter o valor do dólar.
Uma simples desaceleração nesse fluxo -a mera constatação de que a economia americana estava e continuaria a estar longe da perfeição- foi tudo o que foi preciso para criar as condições para a queda atual vivida pelo dólar.


Tradução de Clara Allain

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