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OPINIÃO ECONÔMICA
Ousadia requer estabilidade
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Em uma de suas provocativas
colunas para este jornal (em
25/6/04), Luiz Carlos Mendonça
de Barros dividiu os economistas
brasileiros em dois grupos: ricardianos e schumpeterianos.
"Para os ricardianos, o que interessa na dinâmica econômica
de um país como o Brasil é a estabilidade macroeconômica de longo prazo e o respeito às vantagens
comparadas de cada nação no
contexto do mundo globalizado."
Já os schumpeterianos "entendem ser o crescimento econômico
e a geração de empregos a chave
de nosso futuro". Para esse grupo,
segundo Mendonça de Barros, a
"carga fiscal atual, as limitações
de nossa infra-estrutura econômica, os juros elevados, a falta de
crédito e as limitações para que a
energia empresarial possa ser
exercida com eficiência são as
grandes preocupações"...
O contraste entre ricardianos e
schumpeterianos invocado por
Mendonça de Barros faz sentido
e, desde que a posição schumpeteriana seja devidamente caracterizada, coloco-me firmemente do
seu lado. Mas não aceito a caracterização ali feita -e a discrepância, como se verá, não é de natureza meramente acadêmica.
Admitamos inicialmente que o
futuro é sempre incerto, sendo a
incerteza, a rigor, inerente à atividade econômica. Isso posto, acrescentemos que a figura central do
universo schumpeteriano é o empreendedor ("entrepreneur"), a
quem cabe, genericamente, experimentar novas soluções e tentar
novos caminhos. Acontece, porém, que a tecnologia pode não
funcionar a contento, os consumidores podem rejeitar o novo
produto, os novos canais comerciais podem não corresponder às
expectativas. Além disso, se a inovação der certo, podem surgir rapidamente imitadores, que copiam os resultados, sem ter enfrentado os custos e os riscos do
pioneirismo. Ou seja, além dos
riscos normais, inerentes à atividade econômica, o empreendedor
enfrenta, inegavelmente, uma dose extra de riscos.
Se assim é, o fato de não colocar
a estabilidade entre as "grandes
preocupações" dos schumpeterianos é um equívoco. Afinal a estabilidade macroeconômica é, como bem sabem os brasileiros,
uma brutal limitação "para que a
energia empresarial possa ser
exercida com eficiência", nas palavras de Mendonça de Barros. E
não apenas porque a turbulência
macroeconômica, em si, torna o
futuro excepcionalmente opaco,
mas também porque a precificação e outros expedientes de curto
prazo passam a atrair enorme
atenção das empresas, em prejuízo das atividades voltadas para o
futuro. Além disso, convém lembrar, os compromissos governamentais de apoio à atividade empresarial só são confiáveis se as
contas do Estado não estiverem
ameaçadas por cortes e "contingenciamentos".
Voltemos à referência aos ricardianos. Para eles, diz corretamente Mendonça de Barros, o que
conta são as vantagens comparativas, mais precisamente as "naturais" -como no caso citado do
"ricardiano radical", que seria
contra a Embraer, porque esta
não conta com vantagens "naturais"!
É da essência do schumpeterianismo não apenas operar sob alto
risco e ter em vista o longo prazo
como, sobretudo, construir, via
evolução do conhecimento, vantagens competitivas -em vez de
limitar-se a explorar vantagens
"naturais". O ponto pode ser desdobrado. Quando o crescimento
de um país depende, como nos
tempos heróicos da industrialização brasileira (1950-80), de investimentos essencialmente repetitivos, financiados por bancos públicos, a instabilidade pode ser suportada com menos danos.
À medida, contudo, que ganhe
espaço o avanço por diferenciação e por experimentação, que requerem muitas vezes cooperação,
que envolve institutos de pesquisa, fornecedores articulados com
as mudanças perseguidas etc., a
estabilidade torna-se sumamente
importante. Estabilidade, contudo, não significa inflação zero
nem rigidez absoluta de metas.
Mas, sim, um ambiente econômico-institucional que minimize sobressaltos e, sobretudo, permita
manter um olho cravado no futuro.
Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.
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