São Paulo, quarta-feira, 30 de junho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Ousadia requer estabilidade

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Em uma de suas provocativas colunas para este jornal (em 25/6/04), Luiz Carlos Mendonça de Barros dividiu os economistas brasileiros em dois grupos: ricardianos e schumpeterianos.
"Para os ricardianos, o que interessa na dinâmica econômica de um país como o Brasil é a estabilidade macroeconômica de longo prazo e o respeito às vantagens comparadas de cada nação no contexto do mundo globalizado."
Já os schumpeterianos "entendem ser o crescimento econômico e a geração de empregos a chave de nosso futuro". Para esse grupo, segundo Mendonça de Barros, a "carga fiscal atual, as limitações de nossa infra-estrutura econômica, os juros elevados, a falta de crédito e as limitações para que a energia empresarial possa ser exercida com eficiência são as grandes preocupações"...
O contraste entre ricardianos e schumpeterianos invocado por Mendonça de Barros faz sentido e, desde que a posição schumpeteriana seja devidamente caracterizada, coloco-me firmemente do seu lado. Mas não aceito a caracterização ali feita -e a discrepância, como se verá, não é de natureza meramente acadêmica.
Admitamos inicialmente que o futuro é sempre incerto, sendo a incerteza, a rigor, inerente à atividade econômica. Isso posto, acrescentemos que a figura central do universo schumpeteriano é o empreendedor ("entrepreneur"), a quem cabe, genericamente, experimentar novas soluções e tentar novos caminhos. Acontece, porém, que a tecnologia pode não funcionar a contento, os consumidores podem rejeitar o novo produto, os novos canais comerciais podem não corresponder às expectativas. Além disso, se a inovação der certo, podem surgir rapidamente imitadores, que copiam os resultados, sem ter enfrentado os custos e os riscos do pioneirismo. Ou seja, além dos riscos normais, inerentes à atividade econômica, o empreendedor enfrenta, inegavelmente, uma dose extra de riscos.
Se assim é, o fato de não colocar a estabilidade entre as "grandes preocupações" dos schumpeterianos é um equívoco. Afinal a estabilidade macroeconômica é, como bem sabem os brasileiros, uma brutal limitação "para que a energia empresarial possa ser exercida com eficiência", nas palavras de Mendonça de Barros. E não apenas porque a turbulência macroeconômica, em si, torna o futuro excepcionalmente opaco, mas também porque a precificação e outros expedientes de curto prazo passam a atrair enorme atenção das empresas, em prejuízo das atividades voltadas para o futuro. Além disso, convém lembrar, os compromissos governamentais de apoio à atividade empresarial só são confiáveis se as contas do Estado não estiverem ameaçadas por cortes e "contingenciamentos".
Voltemos à referência aos ricardianos. Para eles, diz corretamente Mendonça de Barros, o que conta são as vantagens comparativas, mais precisamente as "naturais" -como no caso citado do "ricardiano radical", que seria contra a Embraer, porque esta não conta com vantagens "naturais"!
É da essência do schumpeterianismo não apenas operar sob alto risco e ter em vista o longo prazo como, sobretudo, construir, via evolução do conhecimento, vantagens competitivas -em vez de limitar-se a explorar vantagens "naturais". O ponto pode ser desdobrado. Quando o crescimento de um país depende, como nos tempos heróicos da industrialização brasileira (1950-80), de investimentos essencialmente repetitivos, financiados por bancos públicos, a instabilidade pode ser suportada com menos danos.
À medida, contudo, que ganhe espaço o avanço por diferenciação e por experimentação, que requerem muitas vezes cooperação, que envolve institutos de pesquisa, fornecedores articulados com as mudanças perseguidas etc., a estabilidade torna-se sumamente importante. Estabilidade, contudo, não significa inflação zero nem rigidez absoluta de metas. Mas, sim, um ambiente econômico-institucional que minimize sobressaltos e, sobretudo, permita manter um olho cravado no futuro.


Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.


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