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LUíS NASSIF
A AL e o neopopulismo
Não pense que o neopopulismo venezuelano, a radicalização da campanha eleitoral argentina e o movimento dos caminhoneiros brasileiros sejam
episódios isolados dentro da
América Latina. Os três são parte de um mesmo movimento de
resistência contra as políticas
econômicas adotadas nos três
países, cuja tendência é ampliar-se de maneira perigosa.
Dois ou três anos atrás passei
alguns dias em Caracas, para
uma reportagem para a TV
Bandeirantes sobre a crise bancária venezuelana. Tinha-se
uma economia em processo de
reformas e um governo -de
Rafael Caldera- que representava uma coalização social-democrata, com viés modernizador. Na ocasião, a única voz de
oposição era o coronel Hugo
Chávez, cuja dimensão política
era minimizada por todos os
homens do governo e membros
da elite pensante nacional. Ele
foi entrevistado pelo dever de
ouvir o outro lado.
Dir-se-ia que Chávez era um
Itamar Franco mais belicoso.
Emitia conceitos que deixariam
de cabelo em pé qualquer cidadão relativamente bem informado do primeiro mundo latino-americano. Mas expressava
sentimentos nacionais, a ira
contra os sucessivos sacrifícios
impostos à população, sem nenhuma contrapartida de direitos ou de esperanças; a submissão ao capital especulativo (no
caso da Venezuela, quase uma
quadrilha internacional que tomou de roldão o sistema bancário nacional, antes da entrada
de Caldera).
Pouco tempo depois, Chávez é
o líder absoluto do país, eleito
presidente e dominando plenamente a Constituinte.
Em graus diferentes, Argentina e Brasil estão caminhando
para lá, não por culpa da globalização e da modernização em
si, mas da supina arrogância,
acomodamento e alienação de
seus respectivos governos.
Acomodamento
Menem e FHC foram eleitos
em cima de uma bandeira única, a estabilização econômica.
Acomodaram-se em políticas
cambiais que garantiam a
tranquilidade do presente
-não o futuro. Adiaram o
mais que puderam a solução
dos problemas internos. E manifestaram o desprezo absoluto
pelos interesses de seus eleitores
-e enorme massa de cidadãos
que sempre paga a conta do
banquete, mas que tem o direito, a cada quatro anos, de substituir o dono do restaurante.
FHC tem mais méritos que
defeitos. Mas falta-lhe o componente básico do líder nacional:
a falta de entusiasmo em relação a qualquer tema que diga
respeito aos interesses diretos
de seu povo. O que lhe sobra em
intelectualismo pouco prático
falta-lhe em identificação com
as aspirações básicas de seu povo. O povo não quer pão, apenas solidariedade. E até isso lhe
é negado.
O caso Ford é exemplo clássico, nem pelo subsídio em si,
mas pela declaração de FHC de
que não podia interferir na vida da empresa, impondo cláusulas de empregabilidade -depois de ter interferido violentamente, presenteando a Ford
com R$ 180 milhões de subsídios anuais até 2010.
A globalização, a internacionalização, o acesso aos financiamentos internacionais poderiam ter sido, de fato, as alavancas para o desenvolvimento
nacional, desde que nas mãos
de um governo mais operoso e
com visão estratégica mais
apurada. Mas transformou-se
em um processo em que o cidadão é exposto a um megaarrocho fiscal, a aumentos sucessivos de tarifas, de pedágios, e
perdas de direitos em todos os
níveis -previdenciários, trabalhistas- sem que consiga ao
menos solidariedade de seu supremo comandante. Tudo isso
pela falta de energia de conduzir com competência a política
econômica.
De vez em quando, FHC devia se vestir de mendigo e deixar o Palácio, para escutar, diretamente do povo, o que se
pensa dele. Vai se espantar com
a intensidade do ódio -a palavra é esta- que lhe é devotado
por parcelas cada vez mais expressivas da população.
Nos próximos meses vai-se
entrar em uma quadra complexa. Persiste a deterioração política brasileira, a Argentina caminha para o patíbulo, internacionalmente, há um acirramento sem precedentes da
guerra comercial.
O tempo político de FHC está
prestes a se esgotar. Ou articula
um plano claro de defesa dos
interesses nacionais -que seja
entendido pelo povo- ou não
haverá mais retorno, nem que a
economia se recupere mais à
frente.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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