São Paulo, Sexta-feira, 30 de Julho de 1999
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LUíS NASSIF

A AL e o neopopulismo

Não pense que o neopopulismo venezuelano, a radicalização da campanha eleitoral argentina e o movimento dos caminhoneiros brasileiros sejam episódios isolados dentro da América Latina. Os três são parte de um mesmo movimento de resistência contra as políticas econômicas adotadas nos três países, cuja tendência é ampliar-se de maneira perigosa.
Dois ou três anos atrás passei alguns dias em Caracas, para uma reportagem para a TV Bandeirantes sobre a crise bancária venezuelana. Tinha-se uma economia em processo de reformas e um governo -de Rafael Caldera- que representava uma coalização social-democrata, com viés modernizador. Na ocasião, a única voz de oposição era o coronel Hugo Chávez, cuja dimensão política era minimizada por todos os homens do governo e membros da elite pensante nacional. Ele foi entrevistado pelo dever de ouvir o outro lado.
Dir-se-ia que Chávez era um Itamar Franco mais belicoso. Emitia conceitos que deixariam de cabelo em pé qualquer cidadão relativamente bem informado do primeiro mundo latino-americano. Mas expressava sentimentos nacionais, a ira contra os sucessivos sacrifícios impostos à população, sem nenhuma contrapartida de direitos ou de esperanças; a submissão ao capital especulativo (no caso da Venezuela, quase uma quadrilha internacional que tomou de roldão o sistema bancário nacional, antes da entrada de Caldera).
Pouco tempo depois, Chávez é o líder absoluto do país, eleito presidente e dominando plenamente a Constituinte.
Em graus diferentes, Argentina e Brasil estão caminhando para lá, não por culpa da globalização e da modernização em si, mas da supina arrogância, acomodamento e alienação de seus respectivos governos.

Acomodamento
Menem e FHC foram eleitos em cima de uma bandeira única, a estabilização econômica. Acomodaram-se em políticas cambiais que garantiam a tranquilidade do presente -não o futuro. Adiaram o mais que puderam a solução dos problemas internos. E manifestaram o desprezo absoluto pelos interesses de seus eleitores -e enorme massa de cidadãos que sempre paga a conta do banquete, mas que tem o direito, a cada quatro anos, de substituir o dono do restaurante.
FHC tem mais méritos que defeitos. Mas falta-lhe o componente básico do líder nacional: a falta de entusiasmo em relação a qualquer tema que diga respeito aos interesses diretos de seu povo. O que lhe sobra em intelectualismo pouco prático falta-lhe em identificação com as aspirações básicas de seu povo. O povo não quer pão, apenas solidariedade. E até isso lhe é negado.
O caso Ford é exemplo clássico, nem pelo subsídio em si, mas pela declaração de FHC de que não podia interferir na vida da empresa, impondo cláusulas de empregabilidade -depois de ter interferido violentamente, presenteando a Ford com R$ 180 milhões de subsídios anuais até 2010.
A globalização, a internacionalização, o acesso aos financiamentos internacionais poderiam ter sido, de fato, as alavancas para o desenvolvimento nacional, desde que nas mãos de um governo mais operoso e com visão estratégica mais apurada. Mas transformou-se em um processo em que o cidadão é exposto a um megaarrocho fiscal, a aumentos sucessivos de tarifas, de pedágios, e perdas de direitos em todos os níveis -previdenciários, trabalhistas- sem que consiga ao menos solidariedade de seu supremo comandante. Tudo isso pela falta de energia de conduzir com competência a política econômica.
De vez em quando, FHC devia se vestir de mendigo e deixar o Palácio, para escutar, diretamente do povo, o que se pensa dele. Vai se espantar com a intensidade do ódio -a palavra é esta- que lhe é devotado por parcelas cada vez mais expressivas da população.
Nos próximos meses vai-se entrar em uma quadra complexa. Persiste a deterioração política brasileira, a Argentina caminha para o patíbulo, internacionalmente, há um acirramento sem precedentes da guerra comercial.
O tempo político de FHC está prestes a se esgotar. Ou articula um plano claro de defesa dos interesses nacionais -que seja entendido pelo povo- ou não haverá mais retorno, nem que a economia se recupere mais à frente.


E-mail: lnassif@uol.com.br



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