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OPINIÃO ECONÔMICA
País-laboratório
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Nada como uma boa andada por este país-laboratório
para sacudir e renovar idéias. Estou chegando de Manaus, trazendo fortes impressões e algumas
perplexidades que pretendo compartilhar com o leitor.
O equívoco mais frequente
acerca da Zona Franca de Manaus consiste em supor que a indústria ali existente é do tipo indústria de maquilagem. Alguns
insistem mesmo em se referir à
área como "entreposto". Na realidade, contudo, ainda quando
tendo início com a mera finalização de produtos, as atividades das
empresas da Zona Franca frequentemente evoluem para a
montagem propriamente dita
-e muitas vezes alcançam a fabricação.
Um exemplo extraordinário pode ser encontrado na empresa
Moto Honda. Seu gigantesco parque produtivo compreende fundição (inclusive do motor), usinagem, solda, estamparia, montagem e teste. Em resumo, parte-se,
no início do processo, de barras de
alumínio, bobinas de aço e polipropileno granulado: no final,
saem motocicletas. E, como se não
bastasse a integração vertical da
fábrica, nada menos que 12 fornecedores já se encontram estabelecidos em Manaus, operando sincronizados com a cadeia capitaneada pela Moto Honda. A rigor,
e segundo informação divulgada
pela empresa, o coeficiente de nacionalização do modelo 125 Titan
(56% da produção) atinge excepcionais 96,9%. É bom lembrar, a
esse propósito, que, no México, e
segundo depoimento de um
membro da comitiva do presidente Fox, a chamada "indústria da
maquila" traz do exterior entre
um mínimo de 93% e um máximo de 97% dos insumos, partes e
peças que utiliza.
O segundo equívoco consiste na
noção, amplamente difundida,
de que, dada a grande soma de
benefícios oferecidos na região, a
indústria ali existente é algo artificial. Convenhamos, inicialmente, que, sem os excepcionais estímulos oferecidos na área, as indústrias, em regra, não teriam escolhido Manaus. O equívoco aqui
reside, no entanto, em permanecer fixado nesse, digamos, pecado
original. Há, em suma, que levar
adiante a análise, indagando-se
sobre o destino das empresas ali
chegadas. Verifica-se o surgimento de uma cultura manufatureira, comprovada pela aptidão de
gerentes e trabalhadores para dominar e adaptar os processos produtivos? Está sendo reduzida a
distância em relação às melhores
técnicas internacionais? Exportações começam a ser realizadas?
Novos investimentos estão sendo
planejados? Na medida em que
essas perguntas obtenham respostas positivas, estarão sendo engendradas vantagens competitivas e a experiência caminha em
direção à normalidade. A redução das importações brasileiras
de eletrônicos de consumo de US$
623 milhões para US$ 189 milhões
entre 1998 e 2000 (janeiro a junho), acompanhada de um salto
das exportações de US$ 371 milhões para US$ 1.437 milhão
(mais uma vez janeiro a junho),
parece falar alto a esse respeito.
A terceira grave acusação
usualmente feita à indústria de
Manaus é que, ao transferir para
aquela (remota) área grande parte da eletrônica de consumo, foi
irremediavelmente fracionado e
fragilizado o complexo eletrônico
nacional. O argumento contém,
sem dúvida, uma dose de verdade. Mas é preciso ter em conta outros aspectos da questão. Tomarei
apenas um: a questão ecológica.
A eletrônica é uma indústria
em muitos sentidos leve. Não é
por outra razão que a guinada do
Japão (após o choque do petróleo)
em direção à eletrônica foi anunciada como uma mudança para a
"estratégia da grama". Ora, se a
base de recursos naturais é notoriamente pobre no Japão, ela pode ser tida como exuberante, porém frágil -e até recentemente
pouco conhecida- na Amazônia. Diante dessa complexa questão, a eletrônica apresenta a vantagem de pouco se relacionar com
a base local de recursos naturais
e, portanto, pouca pressão exercer
sobre o ecossistema local. Isso fica
óbvio quando a contrastamos
com a mineração, a metalurgia, a
mecânica ou a química pesada. E
as consequências dessa contraposição podem ser apreciadas no
contraste entre o ocorrido no
Amazonas -onde o surgimento
de atividades modernas e dotadas de amplo potencial de crescimento econômico deixou praticamente intacta a natureza- com
o verificado no Pará, sob a liderança de atividades minerometalúrgicas. Sei bem que o tema é fértil em controvérsias. Mas o que está aqui sendo sugerido é que o pólo de Manaus -além de gerar
renda, emprego e contribuir para
a formação de uma cultura industrial na região- ajudou a
desviar a busca de oportunidades
de lucro para atividades que não
agridem o delicado ecossistema
da região. Enquanto isso, aumentou o conhecimento das características da área, estando o país
hoje (presumivelmente) apto a
induzir o avanço de novas atividades, destacando-se entre elas as
centradas na biotecnologia, a
mais óbvia vocação da área. E isso nos remete a um último ponto.
Quais seriam as oportunidades
de lucro facilmente constatáveis
na Amazônia dos anos 1970? A
extração de madeira, o garimpo,
a caça de espécies raras e possivelmente a pecuária extensiva aí
apareceriam com destaque. Não
cabe dúvidas, porém, que se trata
de atividades que deixam lucros
em mãos privadas, na medida em
que os estragos infligidos à natureza e às gerações futuras sejam
ignorados. A questão é de tal gravidade que a noção de "falha de
mercado" (no caso, omissão das
perdas impostas a outros) torna-se aqui um eufemismo. A bem dizer, é todo um paradigma do pensamento ocidental que está, no
caso, em questão: em situações
como a encontrada na Amazônia, objetivos e estratégias devem
prevalecer sobre as oportunidades imediatamente reveladas.
Antonio Barros de Castro, 58, professor-titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
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