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São Paulo, sábado, 30 de agosto de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Voltar a crescer antes de Marte voltar
GESNER OLIVEIRA

A recessão do primeiro semestre foi o preço pago pelo país pelo fato de que o governo não tinha reputação de combate à inflação. A credibilidade foi conquistada à custa de uma overdose no aperto monetário, que gerou desemprego e queda na produção.
Para quem perdeu o emprego ou foi à falência, não interessa saber se o que ocorreu no primeiro semestre pode ser denominado tecnicamente de recessão.
A ata do Copom (Comitê de Política Monetária), divulgada na última quinta-feira, adotou uma definição mais geral de recessão, em linha com o NBER (National Bureau of Economic Research). Segundo o texto do Copom, "não se trata propriamente de um quadro recessivo na atividade econômica, uma vez que a desaceleração não é generalizada".
A avaliação é naturalmente subjetiva. Basta ler a ata na íntegra para verificar no sumário dos dados de nível de atividade que vários indicadores sugeririam um "quadro recessivo da atividade econômica". Com as honrosas exceções dos agronegócios e das exportações.
Mais comumente, entende-se por recessão a situação na qual o PIB decresce por dois trimestres consecutivos. Os dados do IBGE divulgados nesta semana registram precisamente quedas de 0,6% e 1,6%, respectivamente, no primeiro e no segundo trimestres de 2003.
Mas, chame-se como quiser o que aconteceu nos primeiros seis meses do ano, não adianta chorar sobre o leite derramado. Importa saber se a economia vai se recuperar a partir de agora.
Depois de duas décadas de crescimento medíocre e retomadas interrompidas, os consumidores e investidores estão compreensivelmente relutantes em apostar todas as fichas na volta do crescimento. É o que revelam as estatísticas de intenções de consumo e de nível de confiança do empresário. Os investimentos de longo prazo, em particular, imprescindíveis para uma recuperação duradoura, só retornam se houver sinais inequívocos de respeito aos contratos e regulação adequada. Algo que ainda não está garantido.
Há sinais de que a economia estaria reagindo a partir de julho/agosto e que deverá se aquecer um pouco mais no quarto trimestre. Reaquecer a economia é como fazer um motor antigo pegar nestas manhãs frias de inverno do Sul e do Sudeste. Mas continua sem resposta a pergunta: até quando uma retomada poderá durar sem que o motor afogue novamente em desequilíbrios macroeconômicos? Ou seja, a recuperação virá ainda em 2003; resta saber se será sustentável.
Enquanto não se responde a essa questão com uma estratégia clara de crescimento do emprego e da produção, o país vai ficando para trás, e as próximas gerações perdem a esperança de atingir níveis de renda comparáveis aos dos países desenvolvidos. Mantidas as taxas médias de crescimento do PIB por habitante do período 1993-2002, o PIB por habitante da Índia passa o do Brasil em 2043; e o do Brasil só alcança o do Japão em 2231, perto da nova aproximação de Marte à Terra, em 2287!
Nas sociedades autárquicas e tradicionais do passado, o crescimento vegetativo era aceitável como uma espécie de estado natural das coisas, de lei divina de movimento dos astros.
No entanto, depois das revoluções tecnológicas dos últimos três séculos e da enorme integração das economias nacionais, isso se tornou cada vez menos tolerável. Especialmente em países como o Brasil, cujo potencial de crescimento é sabidamente superior ao seu desempenho dos últimos 20 anos.

Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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