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OPINIÃO ECONÔMICA
MP 66: truculência e demagogia
MARCOS CINTRA
É inadmissível a atitude de
afrontoso desrespeito ao Poder Legislativo demonstrada pelo
presidente Fernando Henrique
Cardoso no tocante à questão tributária. Depois de passar oito
anos interditando a implementação da reforma fiscal, uma das
mais importantes demandas sociais do país, o governo procurou
jogar a culpa no Congresso Nacional, acusando a instituição de
não empreendê-la.
Ademais, após haver patrocinado, por projeto de lei, um remendo tributário a que chamou de
"minirreforma" -e o mesmo
não ter encontrado apoio para
sua aprovação na Câmara dos Deputados durante o esforço concentrado de 26-27 de agosto último-, o governo cumpriu sua
ameaça e retaliou ao editar uma
medida provisória. O mais inadmissível é que a MP foi uma exigência imposta pelo FMI, como
recentemente o próprio ministro
da Fazenda informou à nação estupefata. Além de determinar o
que fazer, o governo cede e aceita
ordens sobre como fazer para
atingir o superávit primário de
3,88% do PIB em 2002.
Não tenho conhecimento de
outra instância na qual o governo
tenha usado uma medida provisória como instrumento de coação ao Congresso e de submissão
ao FMI. Anteriormente a esse lamentável episódio, as MPs, por
sua necessária relevância e urgência, antecipavam as discussões no
Congresso Nacional. Agora, veio
como retaliação, após o projeto
patrocinado pelo governo haver
enfrentado resistências para sua
aprovação.
A principal alteração da MP se
refere à sistemática de cobrança
do PIS, que passa a ser cobrado
sobre o valor agregado pelas empresas em seu processo produtivo, em substituição à sistemática
de cobrança sobre o faturamento,
tratamento esse que pode ser estendido à Cofins numa segunda
etapa. A alíquota do PIS passa de
0,65% para 1,65%.
Além de ser extremamente injusto para os prestadores de serviços, que vão pagar mais imposto
com a mudança, uma reforma fatiada da estrutura tributária brasileira intensifica as profundas distorções do sistema. Alterações
pontuais, como faz a MP 66, simplesmente irão comprometer ainda mais a competitividade da economia brasileira. Vale lembrar
que, com ações fatiadas, o governo tem aumentado a carga tributária desde meados dos anos 90.
Em média, cerca de 300 novas
normas tributárias são editadas
por ano, o que torna o sistema cada vez mais complexo e oneroso.
A reforma tributária é uma ação
complexa que demanda coerência e complementaridade, regra
que o governo insiste em não observar.
Em simulação que compara os
efeitos do PIS incidente sobre o
faturamento com a cobrança sobre o valor agregado, é possível
observar as distorções que o novo
sistema poderá gerar. Haverá setores que vão mais que dobrar seu
desembolso com o PIS, enquanto
outros poderão ter uma redução
de quase 75% com o tributo.
O primeiro caso do exemplo é
característico do que vai ocorrer
com o setor de serviços. Profissionais liberais em geral e empresas
prestadoras de serviços de saúde,
de educação, de limpeza, de segurança, entre outros, terão seus
custos tributários consideravelmente elevados, já que o peso dos
insumos nesses segmentos representa uma fração relativamente
pequena de seus preços finais, gerando pouco crédito com o PIS.
O governo argumenta que a
"minirreforma" vai desonerar as
exportações e a produção em geral. No entanto as leis 9.363/96 e
10.276/01 já desoneram as exportações do PIS e da Cofins, e o mito
que o tributo sobre valor agregado desonera a produção deve ser
questionado. A cumulatividade é
um fato no sistema tributário brasileiro até mesmo quando se trata
de impostos como o ICMS em alguns setores de serviços e de agronegócios, que não contabilizam
créditos em suas operações. Além
disso, se é para acabar com a cumulatividade, por que não proceder dessa forma com o Simples e o
Imposto de Renda presumido,
tributos que são tão cumulativos
quanto o PIS-Cofins?
O mais incrível ainda é a facada
nas costas dos agricultores desferida pelo governo. O agribusiness,
que sozinho vem obtendo US$ 15
bilhões de superávit comercial externo, vê-se subitamente incumbido de arrecadar impostos de
seus fornecedores de matérias-primas agrícolas. Desfaz-se assim
uma prática comprovadamente
exitosa de décadas de conceder
um tratamento tributário diferenciado aos agricultores para compensar os notórios riscos implícitos na atividade rural. Para se beneficiarem de créditos presumidos do PIS de menos de 1%, as
empresas beneficiadoras de produtos agrícolas devem agora reter
o Imposto de Renda dos agricultores. É provável que essa prática
seja peremptoriamente rechaçada pelas agroindústrias, que se verão, portanto, forçadas a assumir
uma enorme elevação em sua carga tributária, com evidentes prejuízos à sua capacidade competitiva internacional.
Outros setores vêm se opondo
às medidas impostas pela MP 66.
A Abiove (Associação Brasileira
de Óleos Vegetais), a Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas) e várias entidades
ligadas ao setor de serviços têm
reclamado da "minirreforma".
Infelizmente, fazer a reforma
tributária ainda é um desafio. O
próximo presidente não terá como adiar a solução do problema,
como fez o atual governo, que fica
marcado em seu desfecho na área
tributária por uma ação demagógica e truculenta numa questão
tão vital para trabalhadores e empresários.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 57, doutor em economia pela
Universidade Harvard (EUA), professor
titular e vice-presidente da Fundação
Getúlio Vargas, é deputado federal pelo
PFL-SP.
Internet: www.marcoscintra.org
E-mail - mcintra@marcoscintra.org
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