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São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Se Getúlio Vargas soubesse...

BENJAMIN STEINBRUCH

Dias atrás li uma informação impressionante. Nos anos 1990, em cada dez postos de trabalho criados no Brasil, apenas um foi com carteira assinada. Nas quatro décadas anteriores, a realidade era muito diferente: em cada dez novos postos, sete tinham registro em carteira.
Reina no mercado de trabalho do país, insuflado pela crise econômica, o mais assustador salve-se-quem-puder em matéria de relações entre empregador e empregado. A velha CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), baixada por decreto-lei de Getúlio Vargas em 1º de janeiro de 1943 e ainda em vigor, foi virtualmente revogada pelo mercado.
Empresas de todos os tamanhos, principalmente as pequenas, transformam postos assalariados, aos milhares, em contratos de pessoas jurídicas, os famosos PJ. Na prática, os empregados continuam fazendo o mesmo trabalho, nos mesmos lugares e cumprindo os mesmos horários, mas sem nenhum vínculo empregatício. Apenas apresentam, no fim de cada mês, uma nota fiscal de pessoa jurídica.
Tirando as grandes empresas organizadas, é difícil encontrar alguma que tenha a coragem de atirar a primeira pedra nas que adotam esse sistema aos olhos da velha CLT. A abertura econômica exige das empresas um tal grau de competitividade que as obriga a reduzir a estrutura e a enxugar custos incessantemente. A contratação formal de mão-de-obra impõe custos elevadíssimos, que superam 100% do valor do salário em muitos casos. Por isso, muitas empresas têm medo de contratar e pagam qualquer multa para demitir.
Essa situação a que são levadas as empresas, uma verdadeira balbúrdia, reflete-se na Justiça do Trabalho. Mais de 3 milhões de ações trabalhistas ingressam na Justiça anualmente e entopem os tribunais. Algumas causas levam até dez anos para serem decididas. Para o trabalhador, é um desastre, porque tem de esperar longos anos para receber aquilo a que têm direito. Para o empregador, é uma agonia, porque precisa arrastar durante todo esse tempo a contabilização de passivos trabalhistas sem ter uma idéia razoável sobre o montante final da ação.
Esse é o cenário no qual começa a ser discutida no país a terceira reforma do governo Lula, a trabalhista, que poderá ir ao Congresso em outubro. Não se deve ter a ilusão de que a reforma trabalhista poderá criar empregos em massa. A abertura de postos de trabalho só ocorrerá com o crescimento da economia. Mas a reestruturação poderá, certamente, facilitar e estimular a volta da formalização do trabalho, em decorrência da simplificação da legislação e da redução do custo da contratação de mão-de-obra.
Felizmente, a reforma das leis do trabalho será conduzida por um governo de origem trabalhista. Dificilmente qualquer outro teria condição de mexer nesse amontoado de leis sem enfrentar resistências intransponíveis da classe trabalhadora, como já se deu no passado.
O segredo dessa reforma, mais até do que das duas anteriores, será a participação das várias partes envolvidas para a criação das novas regras. Ninguém tem a fórmula mágica, mas obviamente a virtude está no meio-termo. Não se pode desregulamentar totalmente o mercado, porque isso criaria uma confusão incontrolável nas relações do trabalho, em prejuízo da parte mais fraca. Mas também não se pode manter o atual estado de engessamento legal, que empurra de maneira cruel mais de 40 milhões de trabalhadores para a informalidade.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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