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São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 2003

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LUÍS NASSIF

Dólar e futebol

De um colega, experiente jornalista financeiro, temporariamente afastado das funções, recebo o seguinte e-mail, a respeito de coluna recente que fiz com críticas à cobertura financeira e às "explicações" técnicas sobre alta e queda dos ativos:
"Não só consultorias, também bancos com fino espírito de marketing passaram a utilizar intensamente seus economistas como garotos-propaganda. Principalmente os bancos estrangeiros, que são muito mais "press minded" do que os bancões brasileiros.
Mas o pior é que as chefias dos jornais adotaram um estilo de cobertura do mercado financeiro que beira a crônica esportiva: dólar bate recorde! Bolsa dispara! Tratar um ativo financeiro como partida é a própria desinformação, a pretexto de fazer um texto amigável. Ora, finanças não são relações públicas, não é assunto amigável -é um assunto no mais das vezes árido, técnico e complexo. Também é opaco. Não porque as instituições do mercado se recusem a prestar informações, mas simplesmente porque é impossível saber qual a motivação de compra/ venda de ativos de cada agente. A atomização das decisões complica encontrar um motivo para alterações nos preços dos ativos.
Dada essa impossibilidade, a conversa do jornalista teria de ser com quem concentra informações de compra/venda de ativos: as tesourarias dos bancos. São os tesoureiros que detêm uma informação mais agregada, o que não significa que eles tenham toda a informação. Mas os bancos raramente liberam os tesoureiros para falar, enquanto liberam economistas que, apesar de instalados ao lado da tesouraria, não têm por razão de ser a negociação. Sua função é pesquisar. Ou, quando se trata de falar para o público externo, é explicar "por que eu fiz o que fiz e não me dizer o que eu tenho de fazer" -como disse a seu economista o presidente do Banco da Inglaterra, Montagu Norman.
Entretanto uma conversa séria com tesoureiros teria de versar sobre algo extremamente sem gosto, sem sal: as condições de liquidez do mercado. Isso não dá manchete, é chato para burro.
É bem verdade que os tesoureiros ficam mais distantes -proibitivamente distantes- da imprensa. Um dos motivos é a política de comunicação dos bancos, que preserva seus tesoureiros, enquanto entrega de bandeja os economistas. Outra é que os tesoureiros não encontram entre jornalistas interlocutores interessados em condições de liquidez, de mercado, mas sim em frases de efeito. Jornalistas muitas vezes preferem a frase de efeito do economista júnior de um fundo de investimentos liliputiano à constatação do tesoureiro de um conglomerado de que o preço da LTN subiu porque o mercado estava líquido com o recolhimento de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) naquele dia. Não é muito mais charmoso dizer que a LTN subiu porque o risco Brasil (seja lá o que isso for!) caiu em decorrência do não-acordo na OMC (Organização Mundial do Comércio)?
Parei de dar crédito a fundo perdido a fontes que não me respondem sobre se o volume foi alto ou baixo. Quero saber quantas ações trocaram de mãos, como sempre dizia o velho Elpídio (veterano colega da área)".

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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