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"Sociedade produzirá indivíduos mais autônomos"
DE WASHINGTON
Não, não é uma sociedade
sem chefes. Não, não é comunismo tardio. Não, não é contracultura fora de época. Para
explicar o que é seu complicado
novo conceito econômico, o
professor Yochai Benkler, titular da Faculdade de Direito da
Universidade Yale, que já esteve no Brasil algumas vezes para
palestras, respondeu às seguintes perguntas da Folha:
FOLHA - Aonde o modo de produção emergente que o sr. descreve
em seu livro nos levará? A uma sociedade sem líderes?
YOCHAI BENKLER - Depende do
que você quer dizer por "uma
sociedade sem líderes". Se for
uma sociedade em que ninguém tem de trabalhar para viver e todo o mundo só age por
meio de cooperativas voluntárias, a resposta é não. As pessoas continuarão a ter de colocar comida na mesa e a ter um
teto para viver. O que podemos
desejar é uma sociedade em
que trabalho e consumo não estejam regulamentados e controlados tão rigidamente como
no período industrial.
Produzir informação, conhecimento e cultura fará de nós ao
mesmo tempo indivíduos e
grupos mais autônomos, mais
livres e independentes do tipo
de Estado e de corporações hierarquizadas que definiram
aquele período.
FOLHA - Para alguns analistas, essa
sociedade lembra os sonhos da contracultura dos anos 60, só que baseados em tecnologia, e não drogas.
Concorda?
BENKLER - A contracultura lutou contra as condições tecnológico-econômicas de então.
Por isso era um sonho, e por isso tendia a ser baseada nas drogas. O que vemos agora é o inverso. Um choque tecnológico
alterou os fundamentos econômicos de produção. As partes
que estão agora em conflito e
lutando contra as mudanças
são os gigantes industriais do
final do século 20. O sistema
que forma a produção compartilhada é convertido em bens
econômicos reais.
FOLHA - Como controlar o fluxo e a
qualidade da produção num modelo assim? Estou pensando na Wikipedia. Há muita informação útil ali,
mas muitos erros também, que as
pessoas aceitam como verdade só
porque estão escritos lá.
BENKLER - É uma questão grave
e importante, para a qual já começa a surgir solução. Primeiro, a "qualidade" no ambiente
de comunicação de massa está
longe de ser perfeita, e, quando
é muito boa, vem de instituições que não estão totalmente
integradas no mercado, como
universidades ou editoras sem
fins lucrativos.
Segundo, e mais importante,
qualidade, credibilidade e relevância são bens de informação.
E nós estamos começando a ver
novas plataformas técnicas e
sociais que permitem que empresas de propriedade compartilhada melhorem sua qualidade com o passar do tempo. Na
Wikipedia, isso ocorre pela revisão comum e pela rápida modificação de suas páginas uma
vez constatado o erro.
Por fim, leitores e telespectadores aprenderam a ser mais
céticos e questionarem mais.
As pessoas estão desenvolvendo a prática cultural de pesquisar, mais do que aceitar. É muito parecido com o que os jornalistas e os acadêmicos fazem,
ouvir outras fontes em vez de
aceitar como verdade o que ouviram de apenas uma.
FOLHA - O que o sr. quer dizer
quando se refere em seu livro a "incentivos não-monetários"?
BENKLER - Todas as razões que
nos levam a agir além de preço.
Pense no motivo pelo qual jogamos um jogo: é divertido; as
pessoas com quem estamos jogando são nossas amigas; faz
com que nos sintamos parte da
comunidade. Nós podemos
ajudar um projeto de nossa comunidade porque nós achamos
que é o certo a fazer.
As pessoas têm razões psicológicas e sociais variadas para
agir. Toda vez que você toma
café com amigos ou pára para
ajudar alguém que está perdido
na rua você está agindo por motivações não-monetárias. Se o
custo de fazer algo é suficientemente baixo -como é o custo
de participar na produção de
informações que estão na Internet-, então não é preciso
um alto grau de motivação.
E, como a rede conecta tanta
gente em tantos lugares e ao
mesmo tempo, tudo o que é
preciso para que a sociedade de
produção compartilhada seja
sustentável é que centenas de
milhões de pessoas conectadas,
que podem dispor de cinco minutos ou duas horas ou uma semana para se dedicar a um projeto, se dediquem a esse projeto, que vai se tornar um conhecimento criado coletivamente.
FOLHA - E como fica a questão da
propriedade intelectual?
BENKLER - Os modelos econômicos do final do século 20 se
tornaram obcecados pela idéia
de que, já que estamos nos mudando para uma sociedade informativa, a "nova propriedade" era a propriedade intelectual e sem ela não haveria modelos econômicos. Pegue os direitos autorais como exemplo.
Jornais e revistas não são realmente baseados em direitos
autorais. Eles oferecem notícias quentes e de durabilidade
limitada em troca de atenção,
que é vendida para os anunciantes. Da mesma maneira, a
indústria do software. Cerca de
dois terços do faturamento
vêm de serviços, e não dos programas vendidos.
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