São Paulo, sábado, 30 de setembro de 2006

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Redes são substitutas de mão invisível

GILSON SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

"A Riqueza das Redes", título do livro de Yochai Benkler, é mais que um jogo de palavras. É uma síntese perfeita da sua proposta econômica, que ainda reverbera a filosofia política liberal consagrada pelo clássico de Adam Smith, "A Riqueza das Nações". Entre o velho mundo das nações e o novo mundo das redes sumiu de vez o Estado.
A célebre "mão invisível" assumiu agora a forma de uma nova autonomia, a das forças de oferta e demanda que se contrapõem no universo das redes digitais. O mercado não desaparece, assume dinâmicas cuja eficiência depende mais da qualidade das redes do que da ação de governos e corporações.
O pensamento de Benkler não é, portanto, um desafio radical à ortodoxia econômica nem serve como ideologia para quem pretenda criticar o chamado "neoliberalismo". Ao contrário, trata-se de um modelo inspirado numa filosofia política ultraliberal, praticamente anarquista.
Os mais ingênuos, no entanto, acreditam que a importância dos softwares "não-proprietários" nessas novas redes digitais é a prova definitiva de que o capitalismo, sob o choque das novas tecnologias, está perdendo o seu elemento essencial, a propriedade privada.
O livro ajuda a dissolver essa ilusão anarquista. Há uma enorme diferença entre ser "livre" (muitos softwares têm seus códigos abertos) e ser gratuito. Benkler discute (e sonha com) a expansão de uma sociedade em que a autonomia dos indivíduos seja levada o mais longe possível, mas sem ameaçar o "status quo" e muito menos abolir a propriedade privada. Ele aposta no aumento da liberdade na medida em que circulam mais informação, conhecimento, tecnologia e cultura.
É uma hipótese bastante razoável e que, a rigor, tem sido o norte da civilização ocidental desde a invenção do tipógrafo, com a expansão vertiginosa das mídias que se seguiu.
Mas não é uma lei nem algo irreversível. A mesma expansão das redes de comunicação e das mídias criou um mundo de enorme concentração econômica nos setores de comunicação e cultura. E nada serviu tanto à opressão e à manipulação como a expansão das redes de comunicação.
As redes digitais, com ou sem software livre, têm provocado mudanças em todas as áreas da vida econômica e social, da empresa multinacional à ONG, passando pela universidade, pelas administrações públicas e até mesmo pelo consumidor, que se defronta com um número crescente de opções em produtos, serviços e tecnologias.
O fenômeno econômico fundamental, subjacente ao fenômeno tecnológico (a espetacular expansão das redes e mesmo do software de código aberto), é a expansão dos serviços e a necessidade de inovação permanente para se manter no mercado.
O código aberto de um software, sem um bom programador, é tão opaco quanto uma caixa preta. Benkler insiste nesse ponto e vê a difusão do modelo de software livre para outras áreas da economia e da sociedade como uma benesse para os prestadores de serviços, ou seja, aqueles que podem nos ensinar a ler e usar as novas mídias com independência e senso crítico.


Professor de economia da ECA-USP, diretor da Cidade do Conhecimento (www.cidade.usp.br) e autor de "As Profissões do Futuro" (PubliFolha)

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