São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2005

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COMUNICAÇÃO

Teles preferem modelo europeu, televisões, o japonês, e rádios, o americano; convergência de mídias também é polêmica

Governo e empresas divergem sobre TV

JANAÍNA LEITE
ENVIADA ESPECIAL A FLORIANÓPOLIS

O governo está a um passo de comprar uma grande luta com as grandes empresas de radiodifusão. O motivo é o apoio declarado à convergência das mídias e a preferência velada pelo padrão digital europeu para a TV digital.
O Futurecom, maior evento de telecomunicações da América Latina, ocorrido na semana passada em Florianópolis, deu o tom da disputa. Técnicos do governo ouvidos pela Folha durante a feira defenderam que o debate seja dividido para evitar as pressões das radiodifusoras. A idéia é separar as discussões sobre o conteúdo das conversas acerca da transmissão e da distribuição.
A estratégia permitiria enfraquecer a posição das rádios e TVs na escolha do padrão das TVs digitais. Existem três modelos na mesa de negociação: DVB (Digital Vídeo Broadcasting), europeu; ISDB (Integrated System Digital Broadcasting), japonês, e ATSC (Advanced Television System Comitee), norte-americano.
O imbróglio é grande porque o primeiro detém a simpatia das teles. O japonês é considerado o melhor para as televisões, que não precisariam trocar a rede e ganhariam passe certo para as transmissões móveis. Por fim, grupos de rádio já fizeram investimentos no sistema digital americano.
A escolha de um padrão vai desembocar nas regras para convergência de mídias, história de interesses comerciais gigantes. As empresas de radiodifusão temem que as regras sejam apressadas pelas teles porque o governo estaria fazendo gestões nos bastidores com operadoras internacionais.
Atualmente, grupos estrangeiros só podem deter 30% do capital das radiodifusoras. A tendência é que esse percentual seja aumentado. De acordo com o raciocínio de representantes das rádios e TVs, as operadoras internacionais estão interessadas em impedir que as rádios e TVs brasileiras -hoje endividadas e dependentes dos anunciantes- aumentem seu valor de venda futura. Ou seja, querem comprar empresas com grande potencial e credibilidade a preços baixíssimos.
As teles vêem o problema sob outro prisma. Para elas, rádios e TVs brasileiras querem garantir uma reserva de mercado e equilibrar o caixa arrebentado valendo-se da valorização de produtos já existentes. E sem investir nada.
Dentro do governo, a crença é que, pelo menos nos próximos dez anos, a TV aberta continuará sendo o único veículo de comunicação de massas que chegará às classes D e E -portanto, o único verdadeiramente popular. Por isso, querem o padrão que permita aparelhos mais baratos. Os técnicos governistas apostam que o europeu serviria mais ao propósito.
Estudos sobre o assunto, porém, serão finalizados apenas em dezembro. Além do custo, outras variáveis estão sendo levadas em conta por especialistas da tecnológica Fitec e do CpQD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações) ouvidos pela Folha, como mobilidade e definição. Um dos aspectos considerados mais relevantes é a capacidade de suportar produtos interativos (que, no futuro, deverão ser desenvolvidos pelas televisões brasileiras).
A compensação pela escolha de um padrão que não é desejado pelas radiodifusoras seria a manutenção da obrigatoriedade de um percentual alto de conteúdo brasileiro na distribuição via celular. O argumento é que os programas nacionais têm grande qualidade e é importante mantê-los nas mãos de brasileiros.
Para as teles não reclamarem, a transmissão pelas operadoras de telefonia acabaria sem restrições -o que não é consenso no governo. A distribuição para os consumidores finais aparecerá como o terceiro ponto da polêmica, o que arrasta para a discussão fabricantes de aparelhos, além de rádios, TVs e concessionárias.

Futuro das teles
Enquanto o clima da discussão em torno da convergência esquenta, os jogadores vão tomando posição.
O presidente da Telefônica, Fernando Xavier, afirmou no Futurecom que, para que o setor de telecomunicações consolide as conquistas feitas desde 1998, é possível supor necessários investimentos acima de R$ 100 bilhões nos próximos anos.
De acordo com Xavier, para viabilizar esses investimentos, será preciso reunir condições políticas e econômicas. Mas, sobretudo, perseguir duas metas: atualizar a legislação e criar marcos regulatórios transparentes e previsíveis.
À Folha, Xavier mostrou-se satisfeito com o novo discurso do ministro das Comunicações, Hélio Costa, que defendeu a regulamentação da convergência. "O que ele disse foi extremamente pertinente para este momento e está alinhado com aprimoramentos que o modelo regulatório precisa", afirmou.
Uma legislação moderna, disse o presidente da Telefônica, poderá estimular "a prestação de serviços integrados na área de telecomunicações pelas operadoras existentes, à semelhança da realidade observada no cenário internacional".
Para Xavier, os investimentos servirão ao estímulo da ampliação e modernização das redes e dos serviços em um ambiente competitivo, forte e saudável, com neutralidade tecnológica. Isso resultaria, disse, em rentabilidade dos negócios.
O presidente da Telefônica reconheceu que novas tecnologias, como as ligações pela internet, podem significar uma ameaça às operadoras no curto prazo. A saída, diz, são os investimentos para a propagação e o desenvolvimento da banda larga ADSL e dos serviços a ela associados.

Fixo e celular
Sete anos depois da privatização da Telebrás, o cenário das telecomunicações brasileiras mudou muito.
Houve uma explosão na venda de telefones celulares, desburocratização na oferta de linhas, e a internet, antes restrita às universidades e centros de pesquisa, tornou-se parte do dia-a-dia da classe média.
Com isso, as operadoras de telefonia resultantes da cisão da estatal ampliaram o número de produtos oferecidos aos clientes.
A despeito de tantas alterações de cenário, as ligações telefônicas continuam como a principal base de receitas das operadoras. Na América Latina, região que teve maior crescimento do mercado de voz em telefonia fixa, a tendência de esse tipo de ligação ser substituída é algo que deve ficar claro apenas no futuro.
No resto do mundo, porém, a situação é outra. Segundo a International Data Center, o mercado de telefonia fixa movimentou US$ 444 bilhões em 2003. Caiu para US$ 437 bilhões em 2004 e deve encolher para US$ 431 bilhões. Daqui a três anos, a estimativa é que o valor não passe de US$ 411 bilhões.


A jornalista Janaína Leite viaja a convite da Futurecom


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