São Paulo, quarta-feira, 30 de novembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

REFORMA NO VIZINHO

Presidente diz que meta é crescimento sustentado, com igualdade; mercado teme afastamento do FMI

Kirchner vê nova fase; Bolsa e títulos caem

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A PUERTO IGUAZÚ

No primeiro dia após o anúncio da saída de Roberto Lavagna do Ministério da Economia, o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, disse que o objetivo da segunda etapa de sua gestão é "alcançar um crescimento sustentado, com igualdade". O mercado, no entanto, continuou reagindo mal.
Ontem, o governo argentino já pôde ver que não será fácil fazer a nova titular, Felisa Miceli, palatável para o mercado e para Washington: a Bolsa de Buenos Aires fechou pelo segundo dia em baixa (1,5%), os papéis da dívida tiveram queda e o risco-país alcançou 384 pontos, com alta de 2,13%.
A nova ministra, que deve assumir amanhã, não deu declarações. Evitou os jornalistas ao sair cedo para se encontrar com Kirchner, na segunda reunião em menos de 24 horas. À noite, compareceu à inauguração de um laboratório francês, onde Kirchner falou que o país "deve ter razões importantes para ser um bom lugar para investir".
Miceli foi designada anteontem para substituir Lavagna, no cargo desde abril de 2002. Embora fosse um negociador duro e de declarações azedas com o FMI, ele gozava de simpatia do mercado.
Agora, reina a apreensão. Nem as credenciais de Miceli, atual presidente do Banco de La Nación Argentina, uma espécie de pupila de Lavagna, foram capazes de convencer os analistas de mercado de que ela não mudará os rumos da economia nem dará uma guinada à heterodoxia. O temor é que ela se afaste do FMI e lance mão de medidas intervencionistas para tentar conter a inflação, que deve fechar o ano em 12%.
O "Wall Street Jornal" publicou que a nomeação da "pouco conhecida" Miceli daria mais poder ao "presidente esquerdista" Néstor Kirchner, afastaria ainda mais a perspectiva de reajuste de tarifas públicas e poderia acelerar "a deterioração" da relação com os EUA. E, claro, levar à maior proximidade com o presidente venezuelano, Hugo Chávez.
Internamente, empresários reunidos no encontro anual da União Industrial Argentina e a maior parte dos analistas procuraram reforçar a tese de que não se deve esperar "surpresas" da ministra.
Quando assumir amanhã, Miceli vai encontrar um país agitado pela inflação de dois dígitos. O efeito mais imediato é a onda de greves e de manifestações por aumentos salariais. O temor de quem compartilha a análise de que o governo "caminhou à esquerda" é que os sindicatos tenham seus pleitos atendidos.
A greve da principal companhia aérea do país, a Aerolíneas Argentinas, entra hoje em seu sétimo dia. Pilotos e técnicos querem até 45% de reajuste salarial. Desde quinta-feira os vôos domésticos estão cancelados, e a estimativa é que, até ontem, 47 mil pessoas tenham sido afetadas pela greve.
Até o calor pode ser uma preocupação a mais Miceli. Aumentaram os cortes de energia e de água em muito bairros, gerando minipanelaços, rumores de nova crise energética e reclamações das empresas que detêm os serviços.
Na vizinhança da nova ministra, porém, o clima é favorável. Ontem, um cartaz apócrifo com os dizeres "Parabéns, vizinha" foi pregado no bairro de Miceli, Saavedra, o mesmo de Lavagna.


Com a Redação

Texto Anterior: O vaivém das commodities
Próximo Texto: Incerteza sobre rumo do governo eleva inquietação
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.