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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Equador e Mercosul
Com a eleição de Correa,
o Equador parece caminhar no sentido de uma linha
mais independente dos EUA
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O PRESIDENTE eleito do Equador, Rafael Correa, começou
bem. Declarou que trabalhará para o ingresso do seu país no
Mercosul e reiterou que não aceitará um tratado bilateral de livre comércio com os EUA, observando
que a assinatura de tratados desse tipo pelo Peru e a Colômbia "feriram
de morte" a CAN (Comunidade Andina de Nações).
Correa tem razão. A CAN foi concebida como união aduaneira. Uma
união aduaneira, como se sabe, é
uma área de livre comércio em que
os países-membros adotam essencialmente as mesmas tarifas de importação e outras normas comerciais em relação a países não-membros. Ora, os tratados Peru-EUA e
Colômbia-EUA implicam alterações substanciais nas estruturas tarifárias peruana e colombiana, tornando-as incompatíveis com a TEC
(Tarifa Externa Comum) da CAN.
Esses dois tratados de livre comércio ainda precisam ser ratificados pelo Congresso dos EUA. Se entrarem em vigor, as tarifas de importação serão zeradas de imediato para 80% das exportações de bens de
consumo e industriais dos EUA para
o Peru e para a Colômbia. Todas as
demais tarifas peruanas e colombianas sobre produtos industriais dos
EUA serão suprimidas em até dez
anos. No caso dos bens agropecuários, mais de dois terços das exportações dos EUA para o Peru e a Colômbia ficarão imediatamente livres de
tarifas de importação e a maioria das
tarifas remanescentes será eliminada em até 15 anos.
A união aduaneira andina só poderia ser preservada se os demais integrantes da CAN assinassem tratados comerciais semelhantes com os
EUA. O Equador vinha negociando
um acordo desse tipo. Mas, em maio
deste ano, Washington suspendeu
as negociações depois que o governo
equatoriano revogou os contratos
que mantinha com a empresa americana Occidental Petroleum.
Melhor assim. Esses acordos bilaterais com os EUA, mais impostos
do que negociados, trazem poucas
vantagens e representam perda considerável de autonomia na definição
de políticas de desenvolvimento em
várias áreas cruciais (política industrial, tratamento do capital estrangeiro, serviços, propriedade intelectual, licitações públicas, entre outras). Os acordos quase não proporcionam ampliação do acesso ao
mercado americano, uma vez que,
basicamente, tornam permanentes
as preferências comerciais asseguradas pelo "Andean Trade Preference Act". Tanto o Peru como a Colômbia já desfrutam de acesso quase
total ao mercado americano.
Com a eleição de Correa, por larga
margem, o Equador parece caminhar no sentido de uma linha mais
independente dos EUA, o que torna
natural a sua aproximação com o
Mercosul. Espera-se que, no momento apropriado, Equador e Mercosul possam iniciar negociações
para remover barreiras ao comércio
e adaptar a estrutura tarifária equatoriana à TEC do Mercosul. Mais à
frente, o Brasil e especialmente a Argentina (que superou com sucesso
um desafio parecido) podem ajudar
o Equador a desdolarizar sua economia e a reintroduzir uma moeda
própria. Por um mau passo, o Equador é, desde 2000, o único país sul-americano que abandonou a moeda
nacional, convertendo-se, por decisão unilateral, numa província monetária dos EUA.
Não se deve perder de vista que
existem dois projetos concorrentes
de integração na América do Sul. O
dos EUA se baseia na construção de
uma rede de acordos bilaterais no
formato Alca-Nafta. O primeiro a
ser concluído, com o Chile, está em
vigor desde 2004. Os mais recentes,
com o Peru e a Colômbia, já foram
assinados, mas têm a sua ratificação
ameaçada pela vitória dos democratas nas recentes eleições parlamentares nos EUA.
A maior parte do continente sul-americano está seguindo um caminho diferente, que implica a recusa
do modelo Alca e das políticas "neoliberais". Com a entrada da Venezuela, que aderiu ao bloco em 2006,
o Mercosul passou a responder por
mais de 70% da área, mais de dois
terços da população e cerca de 75%
do PIB da América do Sul. Os próximos passos da ampliação do bloco
talvez sejam a incorporação da Bolívia e do Equador.
Volto a dizer: em última análise, o
que está sendo decidido é se existirá
nesta nossa região do mundo um
bloco econômico e político independente e dinâmico. Ou se retrocederemos à condição melancólica de satélites do grande irmão do Norte.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 51, economista e professor da FGV-Eaesp, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional:
Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/
Elsevier, 2005).
pnbjr@attglobal.net
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