São Paulo, domingo, 30 de dezembro de 2001

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

2002 será marcado por mobilização social global

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

A sucessão de crises financeiras espetaculares que teve início no final do século 20 já não é só um fenômeno de "emergentes". Está em curso a mais séria inversão cíclica desde a crise de 29. Mais ou menos 70 anos depois, o fantasma de uma grande depressão parece cada vez mais real.
Mas, para alguns economistas, a crise é mais uma prova da clarividência de Nicolai Kondratieff (1892-1938). Seguindo a sua visão de "ciclos de longo prazo", interpretam a crise atual não como o prenúncio de uma depressão, mas como transição a um novo ciclo, cuja fase ascendente marcaria as próximas décadas.
Historicamente, as grandes crises econômicas, ou seja, aquelas que afetam todo o sistema internacional, foram acompanhadas por transformações políticas de grande vulto. O liberalismo nasceu com a crise do sistema mercantilista colonial. O socialismo nasceu com as crises do capitalismo industrial.
A crise atual já se dá no "interior" de um ciclo longo de transformação da economia industrial em economia da informação (a tal da "nova economia") e de "cyberempreendimentos".
Haverá espaço, nesse contexto, para uma nova "ideologia de longo prazo" (o que antigamente se chamava de "utopia")?
Qual seria o tom e o roteiro de uma forma crítica de pensamento e ação social, ou seja, fomentada pela própria crise?
É cedo para dar palpites, mas alguns indícios tornaram-se fortes, nos últimos anos, acentuados pelos efeitos degradantes da "globalização neoliberal". Como vetor do processo surge uma "sociedade civil internacional", fruto maduro do onguismo.
Essa sociedade civil planetária desenvolve indicadores, novos modelos de política econômica e social, novas formas de organização da sociedade, especialmente levando em conta a solidariedade com os excluídos do mercado. Um exemplo é o Observatório da Cidadania, representado no Brasil pelo Ibase (www.ibase.br).
Assim como o liberalismo, o socialismo e até mesmo o neoliberalismo nunca foram sistemas de um só autor ou vertente, essa nova utopia de uma sociedade civil mundial é uma sopa de idéias e tendências políticas.
Meio geléia geral, esse vetor de um novo tempo tem endereço: Porto Alegre, Brasil. É o Fórum Social Mundial, cuja segunda edição acontece daqui a um mês (informações no site www.forumsocialmundial.org.br/).
A agenda econômica do fórum é reveladora do front nas atuais lutas pela reconfiguração de tendências internacionais. Lutas que, diante de catástrofes como a da Argentina, recolocam em primeiro plano antigas demandas do fórum, como a luta pelo imposto sobre movimentações financeiras transnacionais de curtíssimo prazo.
Outros temas econômicos do Fórum Social Mundial: comércio internacional, corporações multinacionais, controle de capitais financeiros, dívida externa, trabalho, economia solidária, propriedade intelectual, ambiente, segurança alimentar, cidades, democratização das comunicações e da mídia, migrações, educação, organismos internacionais e arquitetura do poder mundial, soberania, nação e Estado, luta contra o complexo militar-industrial.
A piora da economia global promete trazer para primeiro plano as questões sociais. A mobilização social correspondente já tem organização política embrionária, mas com visibilidade e projetos. Aliás, se os adeptos de Kondratieff estiverem certos, a reorganização da sociedade pode ser a condição crucial para que o potencial da nova economia comece a se realizar.


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