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São Paulo, terça-feira, 30 de dezembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Valeu, Lula!

BENJAMIM STEINBRUCH

Lá se vai 2003, um ano de sufoco. Todos queríamos que o Banco Central tivesse reduzido muito mais a taxa de juros e que a economia tivesse retomado um ritmo forte de crescimento de produção e emprego. Queríamos também que o real tivesse mantido uma taxa maior de desvalorização em relação ao dólar, para abrir perspectivas de sustentabilidade às exportações.
Mas, às vésperas do Réveillon de 2004, é preciso reconhecer que o Brasil e os brasileiros fizeram um esforço válido em 2003. Valeu o sacrifício porque o país readquiriu a condição de voltar a ter crescimento econômico. Cansamos de ver, em passado recente, esforços que exigem privações e que não levam a nada.
Queiram ou não os críticos leais e desleais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostrou competência em seu primeiro ano de governo. Pelo que vimos, ficou claro que não se governa com diploma universitário, e sim com honestidade, estabilidade emocional, persistência, paciência, tolerância e diálogo.
Lula foi exemplar e disciplinado para cumprir sua estratégia. Ao assumir, sua primeira tarefa era convencer a comunidade internacional que o Brasil não estava passando às mãos de um grupo inexperiente e irresponsável. A segunda tarefa era estabilizar a economia, que atravessava uma convulsão agravada pelo próprio processo eleitoral: inflação ascendente, risco Brasil nas alturas e falta de crédito externo.
Para cumprir essas duas tarefas, adotou condução conservadora nas políticas fiscal e monetária. Apresentou logo os projetos de reforma tributária e da Previdência, elevou o superávit primário e manteve alta a taxa básica de juros.
Antes de Lula assumir, a inflação (IGP-DI) havia atingido 5,8% em um único mês (novembro de 2002), taxa que indicava um ritmo anual de quase 100%. Se isso continuasse, o país voltaria a conviver com a mais grave doença que afetou a economia brasileira na segunda metade do século passado. Um ano depois, a inflação está hoje sob controle e não representa preocupação.
Quando Lula assumiu, o Brasil praticamente não tinha disponibilidade de crédito no mercado internacional. O risco país estava acima de 2.000 pontos, o que significa que empresas e governo pagavam uma taxa adicional de 20 pontos percentuais para captar recursos no exterior. Com a volta da credibilidade internacional, essa taxa caiu para 5 pontos, ainda que a situação externa não esteja totalmente resolvida.
Na área do comércio exterior, os mais otimistas previam um superávit de US$ 17 bilhões. O ano está terminando com um saldo positivo superior a US$ 24 bilhões.
O governo Lula também se deu bem nas negociações da Alca. Num primeiro momento, externou posições pouco estratégicas, que denotavam antiamericanismo gratuito. Mas, depois, acabou encontrando um caminho de entendimento diplomático inteligente com os Estados Unidos.
A aprovação das duas reformas -tributária e da Previdência- foi uma demonstração de esperteza política. Mas esse ponto não merece aplauso. Lula descumpriu claramente suas promessas de campanha ao promover um novo aumento da carga tributária. Alterou a legislação da Cofins sob a justificativa de atender a uma velha reivindicação empresarial e aproveitou a mudança para elevar de forma brutal a incidência do imposto para alguns setores, principalmente o de serviços. A Cofins, mesmo com alterações feitas no Congresso para excluir alguns setores da nova tributação, deve render R$ 10 bilhões adicionais aos cofres públicos, um sacrifício a mais para o setor privado, com efeitos danosos para a atividade econômica.
Em 2004, Lula terá a chance de mostrar ao país que sacrifícios como esse não foram em vão. Feito o esforço do ajuste e retomado o equilíbrio da economia, precisamos passar à fase do crescimento. A meta de 3,5% para o próximo ano é tímida, e não podemos nos contentar com ela. Temos de pensar em pelo menos 4,5% ou 5%, porque gerar emprego é fundamental para a estabilidade da sociedade brasileira.
Que 2003, o ano do sufoco, tenha nos levado ao ponto de partida para um novo ciclo. Essa é a esperança.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br



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