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São Paulo, terça-feira, 30 de dezembro de 2003

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LUÍS NASSIF

O exorcismo cambial

O trabalho "A desregulamentação da conta de capitais: limitações macroeconômicas e regulatórias", apresentado em seminário recente da BMF, merece ser lido por todo estudante de economia.
É a comprovação mais completa da alienação provocada pela subordinação cega a teorias, a essa metodologia emburrecedora do pensamento econômico contemporâneo, de tirar lições universais em cima de experiências específicas, de não se guiar pelo bom senso e pela análise da realidade e de afundar economias, comprometer o destino de nações, lançar milhões de pessoas na miséria com base no experimentalismo mais superficial e irresponsável.
O trabalho é relevante pelas suas próprias qualidades acadêmicas. Mas chama mais a atenção pelos seus autores, Gustavo Franco e Demosthenes Madureira de Pinho Neto, dois dos principais expoentes da implementação da abertura com apreciação cambial brasileira. No fundo, é o exorcismo que faltava sobre o modelo.
O trabalho mostra como a liberalização da conta de capital produziu desastres monumentais na América Latina, no início dos anos 80. Depois, como a teoria se refez. "Reabilitou-se a crença de que o crescimento econômico sustentado decorreria naturalmente da implementação da abertura da conta de capitais, bastando apenas observar a devida cautela quanto ao "sequenciamento" da liberalização", constata o trabalho. A crise da Ásia liquidou com esse sonho.
Depois, vem a revisão. Autores que compararam diversas economias concluíram que as de melhor desempenho eram as que abriram a conta de capitais. Outro grupo de autores desmonta a tese ao constatar que "a liberalização da conta de capital só está associada a crescimento do produto per capita, nos países industrializados e nos países emergentes mais ricos, sendo que, nestes últimos, somente após terem atingido um nível de desenvolvimento razoável se apresenta a correlação. Nesse sentido, "os países emergentes são essencialmente "diferentes" das nações avançadas".
A conclusão dos autores é que "a evidência histórica (..) parece bastante conclusiva no que tange à complexidade, de se tentar extrair generalizações e recomendações de política a partir das experiências liberalizantes de outros países com condições estruturais e políticas absolutamente distintas".
Todas essas conclusões tinham sido antecipadas por alguns poucos analistas que conseguiram romper a unanimidade burra e ideológica que tomou conta do país a partir de julho de 1994. Bastava saber olhar a economia, ter um mínimo de bom senso e de visão sistêmica para prever o desastre.
Lá fora, enterrou-se essa teoria depois do desastre consumado. Aqui, nem isso. Louve-se a sinceridade tardia dos dois autores de proceder a esse inventário de estudos sobre a matéria. O trabalho é um clássico por demonstrar a que grau de alienação foi elevado o estudo da economia, sua incapacidade de identificar situações novas, de raciocinar em cima de fatos. E apavora saber que esse pensamento monofásico e emburrecedor continua ditando as regras da política econômica brasileira.


E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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