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LUÍS NASSIF
O exorcismo cambial
O trabalho "A desregulamentação da conta de
capitais: limitações macroeconômicas e regulatórias", apresentado em seminário recente
da BMF, merece ser lido por todo estudante de economia.
É a comprovação mais completa da alienação provocada
pela subordinação cega a teorias, a essa metodologia emburrecedora do pensamento
econômico contemporâneo, de
tirar lições universais em cima
de experiências específicas, de
não se guiar pelo bom senso e
pela análise da realidade e de
afundar economias, comprometer o destino de nações, lançar milhões de pessoas na miséria com base no experimentalismo mais superficial e irresponsável.
O trabalho é relevante pelas
suas próprias qualidades acadêmicas. Mas chama mais a
atenção pelos seus autores,
Gustavo Franco e Demosthenes Madureira de Pinho Neto,
dois dos principais expoentes
da implementação da abertura
com apreciação cambial brasileira. No fundo, é o exorcismo
que faltava sobre o modelo.
O trabalho mostra como a liberalização da conta de capital
produziu desastres monumentais na América Latina, no início dos anos 80. Depois, como a
teoria se refez. "Reabilitou-se a
crença de que o crescimento
econômico sustentado decorreria naturalmente da implementação da abertura da conta de capitais, bastando apenas
observar a devida cautela
quanto ao "sequenciamento"
da liberalização", constata o
trabalho. A crise da Ásia liquidou com esse sonho.
Depois, vem a revisão. Autores que compararam diversas
economias concluíram que as
de melhor desempenho eram
as que abriram a conta de capitais. Outro grupo de autores
desmonta a tese ao constatar
que "a liberalização da conta
de capital só está associada a
crescimento do produto per capita, nos países industrializados e nos países emergentes
mais ricos, sendo que, nestes
últimos, somente após terem
atingido um nível de desenvolvimento razoável se apresenta
a correlação. Nesse sentido, "os
países emergentes são essencialmente "diferentes" das nações avançadas".
A conclusão dos autores é
que "a evidência histórica (..)
parece bastante conclusiva no
que tange à complexidade, de
se tentar extrair generalizações
e recomendações de política a
partir das experiências liberalizantes de outros países com
condições estruturais e políticas absolutamente distintas".
Todas essas conclusões tinham sido antecipadas por alguns poucos analistas que conseguiram romper a unanimidade burra e ideológica que tomou conta do país a partir de
julho de 1994. Bastava saber
olhar a economia, ter um mínimo de bom senso e de visão sistêmica para prever o desastre.
Lá fora, enterrou-se essa teoria depois do desastre consumado. Aqui, nem isso. Louve-se a sinceridade tardia dos dois
autores de proceder a esse inventário de estudos sobre a
matéria. O trabalho é um clássico por demonstrar a que grau
de alienação foi elevado o estudo da economia, sua incapacidade de identificar situações
novas, de raciocinar em cima
de fatos. E apavora saber que
esse pensamento monofásico e
emburrecedor continua ditando as regras da política econômica brasileira.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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