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Brasil descola do mundo, mostra Davos
País é deixado de lado no diagnóstico de frágil recuperação do mercado rico, mas tampouco exibe reformas estruturais
Ricos e emergentes adotam ações para o "novo modelo de crescimento'; na reforma do sistema financeiro, BC espera impacto limitado
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS
A palavra Brasil mal foi mencionada no debate final de Davos sobre a economia global,
mas as exposições de representantes de alto nível dos grandes
do mundo deixaram claro que o
país descolou dos demais no
pós-crise, ao contrário do que
havia acontecido na crise,
quando o mundo sofreu uma
queda sincronizada.
Descolou para o bem e para o
mal, aliás.
Para o bem: a recuperação da
economia global é "frágil", na
definição do francês Dominique Strauss-Kahn, o diretor-gerente do Fundo Monetário
Internacional, que não foi contestado por nenhum dos demais debatedores.
A recuperação do Brasil não
pode ser chamada de frágil nem
pelo mais feroz oposicionista,
ainda mais se o Banco Central
acertar a previsão de crescimento de 5,8% neste ano, que
seria o segundo maior dos anos
Lula (em 2007, alta foi de 6,1%).
No capítulo "recuperação", o
Brasil cola apenas nos emergentes, se for correto o acrônimo inventado por Moisés
Naïm, editor da revista "Foreign Policy", um tal LUV (que,
em inglês, se pronuncia mais
ou menos como "love", amor).
O L é o formato da recuperação mais lenta da Europa; o U, o
mergulho profundo dos Estados Unidos que ficou em um
vale mais tempo e está subindo
agora; já o V é o formato de queda e logo subida dos emergentes da Ásia (os únicos citados
por Strauss-Kahn, embora se
aplique também ao Brasil).
Para o bem, item dois: o estágio atual da economia no mundo rico foi descrito por Lawrence Summers, o chefe dos assessores econômicos da Casa
Branca, como de "recuperação
estrutural e recessão humana".
Refere-se, como é óbvio, ao
desemprego que explodiu no
mundo desenvolvido. Nos
EUA, 20% das pessoas entre 25
e 44 anos não estão trabalhando, um número cruel e que pode ser estrutural, ou seja, manter-se ou até subir nos próximos meses, teme Summers.
O Brasil, diferentemente,
criou emprego em 2009, depois
da queda no duro trimestre final de 2008.
Mas há o descolamento para
o mal: tanto os grandes países
emergentes como algumas nações ricas estão anunciando ou
fazendo reformas estruturais,
com vistas ao que se está chamando de "novo modelo de
crescimento".
Mesmo um país como o Japão, em que a tradição pesa
muito mais que o ímpeto mudancista, diz que está caminhando para mudar a sua estrutura econômica, de forma a
baseá-la em alta tecnologia, informa Yoshito Sengoku, ministro de Política Nacional.
Montek Ahluwalia, vice-presidente da Comissão de Planejamento indiana e dos mais brilhantes pensadores da economia internacional, comentou
que a Índia está tratando de investir pesadamente em infraestrutura de modo a fazer a transição de um modelo de crescimento conduzido pelas exportações para outro em que a demanda doméstica seja dominante.
Comentário idêntico foi feito
para a China, por Zhu Min, vice-presidente do Banco do Povo (o BC local), que administra
portentosos US$ 2,5 trilhões
das reservas chinesas.
Até nos EUA, está em curso
uma mudança que não dá ainda
para saber se estrutural ou conjuntural, em que aumenta a
poupança, até porque era praticamente zero, e diminui por
decorrência o consumo.
Como o consumidor americano foi, nos anos pré-crise, a
grande locomotiva que ajudou
o período de prosperidade inédito conhecido pela economia
global, essa mudança impõe
por si só uma radical transformação no padrão de crescimento econômico do planeta.
É um quadro que Strauss-Kahn simplificou assim: "Se os
Estados Unidos consomem
menos, é preciso olhar para os
outros países [e foi só nessa frase que o Brasil foi citado] e ver
se podem substituir o consumidor norte-americano".
A guinada não é fácil e terá
significativo impacto global: os
países que baseiam seu crescimento em exportações representam de 7% a 8% do PIB
mundial. Se consumirem mais
e exportarem menos, abrem
um buraco de bom tamanho.
O Brasil não tem nenhum
projeto consistente de novo padrão de crescimento nem esse
debate apareceu até agora na
incipiente campanha eleitoral.
Mas há outro ponto de descolamento entre o Brasil e os demais: é o capítulo da reforma do
sistema financeiro, o tema de
maior debate recente, em razão
do anúncio do pacote Obama
para limitar a atuação das instituições financeiras, virulentamente atacado pela banca.
No caso do Brasil, porém, o
presidente do Banco Central,
Henrique Meirelles, diz que o
impacto das polêmicas medidas, se e quando adotadas, será
mínimo porque a regulação
brasileira já é mais rígida que a
dos países desenvolvidos.
Um número que Meirelles
usa para mostrar a diferença: a
alavancagem dos bancos brasileiros é de 7 para 1 (proporção
entre empréstimos tomados e
recursos próprios), quando o
Lehman Brothers, que quebrou
na crise, tinha um índice cinco
vezes maior.
De todo modo, o Brasil será
chamado a dar palpites na regulação global, se prevalecer a
visão dominante no debate de
ontem de que a regulação/supervisão demanda padrões globais. "O risco é fazer a coisa país
por país, o que pode resolver o
problema de um e criar problemas nos outros", como diz
Strauss-Kahn.
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