São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 1999

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
FMI poderia admitir calote da dívida externa



GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

Reescalonar os pagamentos da dívida externa brasileira pode não ser o pandemônio temido pelos mais histéricos. Talvez nem mesmo o FMI (Fundo Monetário Internacional) fizesse oposição a uma estratégia capaz de jogar um pouco dos custos da crise sobre os ombros do setor privado. É o que se entende da leitura de um dos mais importantes documentos escritos recentemente por Stanley Fischer, economista do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e segundo homem na hierarquia do FMI.
O trabalho, apresentado no início do ano na reunião da Associação dos Economistas Americanos, está disponível na Internet:
(www.imf.org/external/np/ speeches/ 1999).
O texto avalia e sugere a transformação do FMI num emprestador de última instância. Esse é um conceito que se discute pelo menos desde o início do século 19. Trata da necessidade de um banco central dar mais crédito a uma economia exatamente quando nenhum banco privado está disposto a emprestar. Ou seja, quando o sistema financeiro mergulha numa espiral de pânico.
Os mercados de capitais internacionais têm seguido a mesma lógica de fuga em massa de riscos reais ou imaginários. Se nenhuma instituição com poder global entra como emprestador de última instância, criam-se círculos viciosos, profecias auto-realizáveis.
A fuga de capitais asfixia o país devedor, que, sem crédito e perdendo reservas, fica impossibilitado de honrar os compromissos externos. A percepção das dificuldades leva os investidores a uma retração ainda maior, perpetuando a fuga e provocando um colapso final. Só uma injeção de liquidez suficientemente forte pode quebrar o círculo vicioso, restaurando a credibilidade na capacidade de pagamento do país endividado.
Ao discutir uma possível conversão do FMI em emprestador global de última instância, Fischer reconhece que o setor privado tem um papel limitado na solução das crises. Mas o técnico abre uma brecha para a hipótese, sugerida em um relatório do G-10, de modificação nos contratos de dívida externa, prevendo o reescalonamento de pagamentos em uma situação de crise.
De modo geral, acrescenta Fischer, "cláusulas sobre representação coletiva e decisões de credores por maioria deveriam ser incluídas" nesses contratos, para facilitar novos acordos em momentos de crise.
Finalmente, ele retoma a proposta apresentada por Jeffrey Sachs, de atrasar pagamentos externos, impondo formalmente uma suspensão de pagamentos pelo país em crise.
E lembra que "o Comitê Executivo do FMI concordou que o Fundo poderá emprestar para países em atraso nos pagamentos a credores privados, desde que estejam perseguindo políticas apropriadas e fazendo esforços de boa-fé para cooperar com os credores".
Ora, essa é uma hipótese muito semelhante à linha de defesa de controles sobre a saída de capitais feita por outro economista do MIT, Paul Krugman. Sendo temporária e fazendo-se acompanhar de políticas fiscais adequadas (e de doses de "boa-fé", seja lá qual for a definição exata desse estado de alma), a imposição de controles sobre a saída de capitais pode ser uma forma não apenas aceitável, mas até mesmo justa de fazer com que o setor financeiro privado pague pela crise, em vez de apenas fugir dela.
É curioso como certas pessoas reagem raivosamente a opções estratégicas como essa, defendidas por economistas respeitados e admitidas pelo FMI.
Há uma certa tendência, sobretudo entre economistas de países em desenvolvimento, a atitudes mais realistas que as do próprio rei. Obviamente não está escrito em lugar nenhum que calotes são desejáveis ou que devam fazer parte de uma política oficial contra a crise. Mas as sugestões de Stanley Fischer nesse texto crucial são mais que um recado nas entrelinhas. São o reconhecimento pragmático de que, num mundo de mercados imperfeitos, é burrice seguir políticas econômicas supostamente perfeitas.



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