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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
FMI poderia admitir calote da dívida externa
GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas
Reescalonar os pagamentos da
dívida externa brasileira pode não
ser o pandemônio temido pelos
mais histéricos. Talvez nem mesmo o FMI (Fundo Monetário Internacional) fizesse oposição a
uma estratégia capaz de jogar um
pouco dos custos da crise sobre os
ombros do setor privado. É o que
se entende da leitura de um dos
mais importantes documentos escritos recentemente por Stanley
Fischer, economista do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e segundo homem na hierarquia do FMI.
O trabalho, apresentado no início do ano na reunião da Associação dos Economistas Americanos,
está disponível na Internet:
(www.imf.org/external/np/
speeches/ 1999).
O texto avalia e sugere a transformação do FMI num emprestador
de última instância. Esse é um conceito que se discute pelo menos
desde o início do século 19. Trata
da necessidade de um banco central dar mais crédito a uma economia exatamente quando nenhum
banco privado está disposto a emprestar. Ou seja, quando o sistema
financeiro mergulha numa espiral
de pânico.
Os mercados de capitais internacionais têm seguido a mesma lógica de fuga em massa de riscos reais
ou imaginários. Se nenhuma instituição com poder global entra como emprestador de última instância, criam-se círculos viciosos,
profecias auto-realizáveis.
A fuga de capitais asfixia o país
devedor, que, sem crédito e perdendo reservas, fica impossibilitado de honrar os compromissos externos. A percepção das dificuldades leva os investidores a uma retração ainda maior, perpetuando a
fuga e provocando um colapso final. Só uma injeção de liquidez suficientemente forte pode quebrar o
círculo vicioso, restaurando a credibilidade na capacidade de pagamento do país endividado.
Ao discutir uma possível conversão do FMI em emprestador global
de última instância, Fischer reconhece que o setor privado tem um
papel limitado na solução das crises. Mas o técnico abre uma brecha
para a hipótese, sugerida em um
relatório do G-10, de modificação
nos contratos de dívida externa,
prevendo o reescalonamento de
pagamentos em uma situação de
crise.
De modo geral, acrescenta Fischer, "cláusulas sobre representação coletiva e decisões de credores
por maioria deveriam ser incluídas" nesses contratos, para facilitar novos acordos em momentos
de crise.
Finalmente, ele retoma a proposta apresentada por Jeffrey Sachs,
de atrasar pagamentos externos,
impondo formalmente uma suspensão de pagamentos pelo país
em crise.
E lembra que "o Comitê Executivo do FMI concordou que o Fundo
poderá emprestar para países em
atraso nos pagamentos a credores
privados, desde que estejam perseguindo políticas apropriadas e fazendo esforços de boa-fé para cooperar com os credores".
Ora, essa é uma hipótese muito
semelhante à linha de defesa de
controles sobre a saída de capitais
feita por outro economista do
MIT, Paul Krugman. Sendo temporária e fazendo-se acompanhar
de políticas fiscais adequadas (e de
doses de "boa-fé", seja lá qual for a
definição exata desse estado de alma), a imposição de controles sobre a saída de capitais pode ser
uma forma não apenas aceitável,
mas até mesmo justa de fazer com
que o setor financeiro privado pague pela crise, em vez de apenas fugir dela.
É curioso como certas pessoas
reagem raivosamente a opções estratégicas como essa, defendidas
por economistas respeitados e admitidas pelo FMI.
Há uma certa tendência, sobretudo entre economistas de países
em desenvolvimento, a atitudes
mais realistas que as do próprio
rei. Obviamente não está escrito
em lugar nenhum que calotes são
desejáveis ou que devam fazer parte de uma política oficial contra a
crise. Mas as sugestões de Stanley
Fischer nesse texto crucial são
mais que um recado nas entrelinhas. São o reconhecimento pragmático de que, num mundo de
mercados imperfeitos, é burrice
seguir políticas econômicas supostamente perfeitas.
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