|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VISÃO DE FORA
O Brasil deixa para trás as ilusões tropicais
RUDI DORNBUSCH
O Brasil se encontra em queda
livre financeira. Numa sucessão
rápida, passou de uma minidesvalorização que não deu certo
(como no México, em 1994) para
uma banda cambial estreita que
desabou em um dia e dali para
uma megadesvalorização movida pelo mercado. Os responsáveis por sua política econômica
se encontram em estado de choque diante do que está acontecendo nos mercados e ainda não
conseguiram promover mudanças fundamentais em seu regime
que possam justificar a retomada da confiança no país e em
suas finanças.
É verdade que o Congresso começou a aprovar as leis que, no
ano passado, poderiam haver
bastado, mas a aprovação se dá
tarde demais. Eles estão olhando para o passado, na tentativa
de defender um histórico de decoração de interiores disfarçada
de avanços reais.
Mas a prosperidade não se mede pela movimentação da Bolsa,
pelas privatizações ou pelo
montante de dinheiro tomado
de empréstimo, e sim pelo produto econômico "per capita"
-se subiu ou não- e pelos investimentos no futuro -se têm
sido altos ou não. Não chega a
surpreender que, após duas décadas de experimentos feitos
com capital especulativo, a resposta a essas duas perguntas seja "não".
O país voltou toda sua atenção
à defesa de sua moeda sobrevalorizada e perdeu de vista o problema mais fundamental do
crescimento e da estabilidade.
Contraiu uma dívida muito
grande e que não possui meios
de pagar, dobrou e triplicou as
apostas e agora foi expulso do
cassino. É hora de empreender
reformas drásticas.
Como tantas outras tentativas
de estabilização ao longo de sua
própria história e, também, em
toda a América Latina, também
o Plano Real acaba de desmoronar. Durou muito mais tempo
do que os outros e aparentava
estar dando muito mais certo,
mas isso era porque uma quantidade gigantesca de dinheiro
havia sido tomada de empréstimo.
Além disso, a receita das privatizações foi colocada à disposição para financiar uma aparência de estabilidade e normalidade na qual todos queriam
acreditar, cada um por suas próprias razões: o presidente, para
conseguir se reeleger, os brasileiros, porque a dor da normalidade, num país pobre com desigualdades tremendas, é dura
demais. E os investidores ficaram felizes em embarcar no barco da fantasia porque representava bons negócios.
Sim, concordamos, o Brasil é
diferente. Sim, como sempre, até
segunda ordem; enquanto isso,
vamos negando a realidade. A
crise asiática teve pouco a ver
com o colapso brasileiro. Este é
de fabricação doméstica, assim
como foi a crise mexicana no
momento em que se deu, com
uma taxa cambial sobrevalorizada e um déficit orçamentário
imenso, enormes dívidas externas de curto prazo e uma explosiva dívida interna indexada.
O Brasil se considerava merecedor de crédito por haver interrompido a inflação, mas não fez
nada para que essa situação se
conservasse. A primeira fase de
uma estabilização sem austeridade fiscal e com uma moeda
forte é sempre de euforia -a inflação é baixa, o dinheiro do exterior flui para o país, os mercados acionários sobem, o consumo aumenta, o crescimento, finalmente, volta a acontecer.
A segunda fase, quando as dúvidas começam a se instalar e os
investidores passam a cobrar tudo o que lhes é devido, sem dó,
significa altas taxas de juro, a
redução dos vencimentos das dívidas e a indexação da dívida.
Mais uma porção de dinheiro,
por favor! Só até a eleição. O
FMI dará a garantia. E depois,
inevitavelmente, se passa para o
terceiro capítulo, em que os investidores querem cair fora enquanto ainda há algum dinheiro a deixar.
É nesse momento que o castelo
de cartas desaba. Os juros não
podem permanecer altos para
sempre, e isso significa que a
moeda não vai se segurar, o que,
por sua vez, significa que você
precisa sair dali rapidamente.
Como acontece com todas as bolhas.
O teorema básico das crises
monetárias é o seguinte: elas demoram muito mais a chegar do
que se imaginaria e, quando
chegam, acontecem em muito
menos tempo do que se poderia
prever. Além disso há outro teorema: de cada três crises previstas pelos economistas, duas
nunca chegam a se concretizar e
a terceira é muito pior do que se
havia previsto. O Brasil confirma essas verdades. O que é estarrecedor é o seguinte: depois
do México, depois da Ásia, depois da Rússia, o que exatamente os brasileiros estavam pensando? É fácil compreender a
atitude dos investidores: eles sabem que existe um prazo curto
durante o qual poderão usar as
reservas e que o dinheiro do FMI
vai lhes permitir pular fora no
momento certo, saltando do
barco sem molhar os pés. Mas o
que dizer daqueles que arcam
com as despesas, em especial o
governo -será que ainda acreditam em Papai Noel, ainda
acreditam naquela história de
que o Brasil é grande demais para que se possa permitir que
afunde? E o FMI e o Tesouro
norte-americano, será que já
não deveriam estar preparados,
não deveriam adotar uma postura mais cética quando vêem
apenas promessas e absolutamente nada de concreto sendo
feito? A resposta de que o governo brasileiro não estava disposto a cooperar soa absurda, provavelmente é verdadeira e significa apenas que o FMI se transformou num concessor incondicional de empréstimos de último
recurso, promovendo a instabilidade mais do que as finanças
corretas e justas. O diretor do
FMI, Michael Camdessus, virou
o maior crupiê do mundo. Mensagem da Terra a Camdessus: se
manca, cara!
Existem três passos que precisam ser dados para criar uma
economia estável e capaz de
acabar dando certo. O primeiro
e mais imediato é que o país precisa adotar o "currency board".
A inflação e a taxa de câmbio
são um problema perene dos últimos 20 anos, responsável pelo
fato de o crescimento "per capita" ter sido zero durante todo
esse período. Chega! Livrem-se
do Banco Central, como fez a
Argentina. É um passo difícil
para um país grande, altivo e
voltado para ele mesmo. Mas
não reflete apenas a adaptação
a um mercado moderno de capital impiedoso e extremamente
volátil. É uma questão de bom
senso, apenas, depois do histórico econômico pavoroso de duas
décadas. O argumento tradicionalmente empregado para justificar a existência de um banco
central é feito de três partes: orgulho nacional, capacidade de
criar dinheiro e flexibilidade decorrente da possibilidade de
ajustar a taxa cambial, em lugar de submeter-se a ajustes domésticos dolorosos.
Basta um segundo de reflexão
para perceber que nenhum desses pontos se aplica a situações
tropicais em que todos eles se
tornaram desvantagens. Orgulhar-se da quinta moeda adotada em poucos anos é piada, imprimir muito dinheiro é um risco e ajustar a taxa de câmbio seria ótimo, mas começar por sobrevalorizá-la e depois vê-la
desmoronar não é bem o caminho indicado. Os "currency
boards" em Hong Kong e na Argentina não são panacéias, mas
constituem um pilar extraordinário de estabilidade em meio à
turbulência regional. São o caminho certo a seguir.
O segundo passo, infeliz e inevitável, é a reestruturação da dívida interna. Seus vencimentos
são curtíssimos, ela é indexada
ao dólar ou às taxas do mercado
e, consequentemente, cresce em
ritmo explosivo. Os juros altos
pagos sobre uma dívida que cresce como bola de neve constituem
grande parte do problema fiscal.
Estender os vencimentos, a taxas
pré-fixadas, moderadas, porém
indexadas, não é punitivo e pode
resolver o problema que, se isso
não for feito, corre o risco de acabar se transformando em simplesmente mais uma moratória,
como fez o Brasil há poucos anos.
O argumento de que ninguém
mais vai emprestar dinheiro ao
Brasil é absurdo; os concessores
de empréstimos retornarão num
instante, como sempre fizeram,
assim que a última dívida for paga ou cancelada.
O terceiro passo consiste em fazer um pagamento inicial sob a
forma de reforma estrutural e
conquistar credibilidade por merecimento. O Brasil deveria colocar as privatizações que ainda
restam por fazer sobre a mesa,
imediatamente, e realizá-las,
sem corrupção. Tal iniciativa geraria confiança e ajudaria a reduzir o custo do capital, à medida que o Brasil retornasse para o
mercado mundial de capitais.
Tirar o governo da história seria
meio caminho andado para as
reformas. A outra metade seria o
governo parar de traçar regras
de maneira arbitrária e interferir na vida econômica. Um século de governo de grande presença, poderoso e instável gerou
uma vida econômica na qual as
empresas buscam favores e privilégios em troca do apoio prestado a governos mal dirigidos. Os
horizontes são curtos, os investimentos -contrariamente à especulação e à venda de ativos-,
baixos, e o crescimento, idem. O
Brasil se encontra numa encruzilhada. Seu dinheiro acabou e
não há mais jeitinho que resolva
seus problemas.
Tradução de
Clara Allain
QUEM É
RUDIGER DORNBUSCH
alemão naturalizado norte-americano,
economista, 53 anos, é doutor pela Universidade de Chicago e professor do Instituto
de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos
EUA.
|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|