São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 1999

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MERCADO TENSO
Discurso de secretário dos EUA em Davos se aplica ao caso brasileiro
Para EUA, falta "vontade política" a países em crise

CLÓVIS ROSSI
enviado especial a Davos


O secretário norte-americano do Tesouro, Robert Rubin, cobrou ontem "vontade política" dos governantes de países em crise ou que tentam evitá-la, chegando a considerá-la o "fator crítico".
Rubin não citou país algum ao qual faltaria "vontade política", mas o discurso parece encaixar-se no caso brasileiro, se se considerar que, dois dias antes, um alto funcionário norte-americano havia criticado exatamente a falta de liderança e de coerência nas políticas do governo Fernando Henrique Cardoso.
Rubin dirigiu mensagem especial ao 29º encontro anual do Fórum Econômico Mundial, que, na parte referente à crise financeira global, coincide quase literalmente com muitas das críticas internas ao governo brasileiro.
Exemplos:
1 - "Só nações que se tornam donas de boas políticas e as seguem consistentemente serão capazes de manter sua credibilidade e a confiança dos mercados".
O governo FHC tem sido acusado de fazer súbitas mudanças de rota, como a adoção de três diferentes políticas cambiais somente este mês (da banda adotada até o dia 13 à livre flutuação, a partir do dia 15, passando pela efêmera mudança de banda).
2 - Rubin chegou a dizer que "a chave decisiva" não é nem econômica nem financeira, mas política, definida como "a arte de desenvolver respaldo para uma política forte, especialmente para as duras decisões que envolvem sacrifícios no presente para benefícios no futuro".
A acusação, de um ponto de vista liberal, ao governo FHC é de ter adiado uma "política forte" na área fiscal.
3 - Rubin citou seu chefe, o presidente Bill Clinton, para quem é fundamental não apenas convencer as pessoas dos futuros benefícios de um ajuste econômico doloroso, mas "assegurar que o programa de recuperação permita -e seja percebido assim- uma partilha ampla dos benefícios econômicos".
A crítica a FHC, pela esquerda e pelos sindicatos, é exatamente a de beneficiar poucos, ao preço de ter elevar o desemprego a níveis recordes desde o ano passado.
Mas o secretário do Tesouro não avançou uma única proposta nova para lidar com a crise global. Sobre o Brasil, especificamente, limitou-se a dizer que estava acompanhando a situação "cuidadosamente", o que, de resto, é óbvio.
Nem mesmo a respeito da política cambial, objeto de intenso debate no Brasil e também nos países desenvolvidos, Rubin apresentou alguma idéia.
Limitou-se a defender, para os países desenvolvidos, a manutenção do regime atual, em que as moedas flutuam livremente.
Rejeitou, em conseqüência, a idéia dos governos francês e japonês de estabelecimento de bandas de flutuação entre o dólar, o marco alemão e o iene japonês.
Mas, para os países em desenvolvimento, disse que "regimes de câmbio fixo e de câmbio flexível tiveram êxitos e fracassos em diferentes países". Emendou: "Imagino que haverá muito debate e, talvez, até pensamentos inovadores nessas matérias nos próximos anos".
Rubin admitiu o temor de que a crise econômica, que voltou a qualificar de "a mais séria crise financeira em 50 anos", fez crescer "as vozes de oposição a uma economia baseada no mercado e à integração global".
Acrescentou que "a pressão para reduzir a abertura dos mercados ao comércio é ainda maior e mais perigosa para o bem-estar econômico da economia global".
Como é óbvio, sua receita é manter o curso de abertura e liberalização.
Ou, mais elaboradamente: "A resposta não é abandonar o sistema baseado no mercado, mas seguir políticas que ajudem a adaptar-se às mudanças dinâmicas em andamento e, ao mesmo tempo, dar passos que reduzam os riscos do sistema".
Para reduzir os riscos, a proposta é o que já virou jargão: "reformar a arquitetura do sistema financeiro internacional".



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