São Paulo, sexta-feira, 31 de maio de 2002

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LUÍS NASSIF

Política industrial e FAB

Duas lições relevantes foram aprendidas pelo país nos últimos tempos. A primeira é que, em toda grande licitação pública que envolva grandes competidores internacionais e interesses nacionais de outros países, o Brasil tem o direito -mais, o dever- de exigir contrapartidas. É o que se chama de "cláusula off-set". A segunda é a de que a transferência de tecnologia e conhecimento são elementos essenciais para o desenvolvimento nacional.
Essas duas questões precisam estar presentes na decisão do Conselho Nacional de Defesa que definirá a licitação dos FXs, os aviões de caça que irão reaparelhar a FAB (Força Aérea Brasileira). Divulgadas nos jornais, as avaliações entre os competidores comprovam semelhanças técnicas e financeiras.
No plano desenvolvimento estratégico, a fabricação de um moderno avião de caça poderá permitir a incorporação à inteligência nacional de diversas tecnologias de ponta. Além de transformar o país em base para a exportação de aviões. A proposta mais concreta nessa direção é a da francesa Dassault, associada à Embraer. Mas nada impede que as condições apresentadas pela Dassault sejam estendidas aos demais competidores que se dispuserem a tanto.
A Dassault apresenta uma série de propostas inéditas que terão que ser conferidas e cobradas pelas autoridades.
A primeira é a de permitir à sua parceira e sócia, a Embraer, autonomia para o desenvolvimento tecnológico do aparelho e, em um primeiro momento, o atendimento do mercado latino-americano. Nessa área específica, não haverá competição entre o Mirage 2000-Br (que será fabricado pela Embraer, em caso de vitória na licitação) e o francês. Nos últimos 35 anos, foram vendidos para a América Latina cerca de 200 aviões de combate. Não haverá substituição imediata de todos, mas vários países estão em processo de renovação de frota. Como os aviões atuais têm mais capacidade que os antigos, haverá a necessidade de menos aviões, mas, mesmo assim, é um mercado atraente.
Como a Embraer terá autonomia no desenvolvimento do Mirage, nada impedirá que, futuramente, dominado o ciclo de produção, o modelo brasileiro possa competir com o francês.
Originalmente, o pedido da FAB era de 108 aviões. Restrições econômicas reduziram a primeira fase a um lote de 12 a 24. O índice de nacionalização do Mirage Br dependerá da velocidade de renovação da frota brasileira por uma questão de custo e escala, segundo informam os representantes da Dassault. No 70º avião, seria atingido o índice de 80% de nacionalização.
O Mirage brasileiro trará algumas modificações para se adaptar às características do país, especialmente nas partes de comunicação logística e nas condições técnicas da FAB, especialmente na interação com o sistema Sivam de satélites. Como no Brasil as distâncias são continentais, há a necessidade de produção autônoma de oxigênio para pilotos. Na Otan (o sistema de defesa europeu), o oxigênio é colocado na base. A adaptação dos armamentos já será feita no Brasil pela Embraer.
Recentemente, a Range Corporation listou 26 tecnologias de ponta em que um país precisaria ser tecnologicamente competitivo. Ainda segundo a Dassault, dessas tecnologias, 18 estão presentes em avião de caça. Por exemplo: 1) design industrial via computadores. O software em questão poder ser largamente utilizado em toda a indústria automobilística, naval e até para coração artificial. 2) Tecnologia de informação, com toda a parte da informatização eletrônica. Esse item consta da proposta de transferência de tecnologia. 3) A tecnologia de radares, com aplicação também na indústria automobilística. 4) Engenharia de materiais, já que aviões de combate são frequentemente colocados sob situação limite. 5) A integração de sistemas em aviões de combate pode ser aplicada ao controle de poluição.
Além disso, uma política industrial adequada deverá permitir a criação de uma rede de fornecedores brasileiros, capazes de acompanhar a Embraer em suas incursões por outros países.
Com essa transferência, supõe a Dassault, de cada real gasto pelo governo ao longo do processo, até 70% ficariam no Brasil, gerando emprego e riqueza.
Outros competidores apresentam outras vantagens. Mas é importante que, qualquer que seja o escolhido, o governo imponha condições similares de transferência de tecnologia.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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