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OPINIÃO ECONÔMICA
Perdas e danos dos cartéis
CLAUDIO CONSIDERA
A sociedade brasileira habituou-se, no período mais recente, a ler, ver e ouvir notícias sobre a descoberta de cartéis, principalmente de postos de gasolina.
Notícia recente referiu-se à inédita condenação pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa
Econômica) do cartel de postos
de combustíveis de Florianópolis.
O tipo de cartel mais comum é
aquele formado por dois ou mais
vendedores de bens ou serviços,
supostamente concorrentes entre
si, que, secretamente, se comunicam com o objetivo de fixar preços idênticos e elevados para o
mesmo produto, evitando, consequentemente, a competição entre
eles.
Entretanto poucos sabem a razão de essa conduta ser considerada uma infração à ordem econômica, imputável administrativamente (lei 8.884/94), com multas para empresas e indivíduos.
Em alguns países, como o próprio
Brasil, é também um crime imputável juridicamente (lei 8.137/90),
com penas de prisão para os indivíduos envolvidos. Para as empresas, pode haver ainda processos cíveis por perdas e danos, movidos pelos consumidores.
Para entendermos isso, teremos
que recorrer a alguns conceitos
em que se baseia uma economia
de mercado. Os brasileiros não estão muito acostumados a esse
conceito. Afinal, desde sempre
nos habituamos à intervenção do
Estado em todos os aspectos da
vida econômica, quer produzindo
bens e serviços por meio de suas
empresas, quer impondo regras
restritivas ao livre comércio, quer,
ainda, fixando e controlando preços e salários do setor privado. Esse ambiente começou a mudar a
partir de 1989: a abertura comercial com a redução das tarifas de
importação, a privatização e a liberação dos preços culminam
com o novo ordenamento econômico do Plano Real.
Com a introdução das concepções de equilíbrio fiscal e monetário, foi possível garantir a manutenção da estabilidade econômica, implantada a partir de 1994.
Nessa mesma época, o Brasil trocou o controle de preços pela lei
da oferta e da demanda, ao adotar
a lei 8.884, passando a contar com
um moderno aparato de defesa e
promoção da concorrência. Por
essa lei, o livre jogo das forças de
mercado, em um ambiente concorrencial, deve ser suficiente para garantir preços estáveis e justos.
Uma economia de livre mercado supõe que cada produtor procure maximizar seu lucro, dada
uma certa tecnologia, tanto quanto um indivíduo busca maximizar
seu bem-estar, sujeito a sua limitação orçamentária. Se houver
concorrência, esse encontro de
interesses levará a uma alocação
ótima dos recursos produtivos,
produzindo quantidades e qualidades de produtos de acordo com
a capacidade do país, tanto quanto levará ao maior bem-estar do
seu povo. Concorrência existe
desde que nenhum agente econômico seja capaz de impor preços
nesse mercado, sendo preço o resultado do encontro dos desejos
dos produtores concorrentes em
ofertar quantidades e qualidades
de produtos e dos desejos dos
consumidores em adquiri-los. A
concorrência será tanto maior
quanto mais livre for o comércio
entre os países e quanto menor
for a interferência do Estado no
processo econômico.
A existência de cartéis, portanto, fere mortalmente o mercado:
eles causam dano ao consumidor
e têm efeito pernicioso sobre a eficiência econômica. Para os que
participam de cartéis, seus inimigos são os consumidores; seus
companheiros nessa ação, em vez
de concorrerem entre si, tornam-se aliados em burlar a economia
de mercado. Um cartel bem-sucedido eleva seus preços acima do
nível de concorrência e reduz a
produção. Adicionalmente, o cartel protege seus autores da exposição às forças de mercado, reduzindo a pressão sobre eles para
controlar custos e inovar. Todos
esses efeitos afetam adversamente
a eficiência da economia de mercado e o bem-estar.
O Comitê de Concorrência da
OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico) realizou uma enquete entre seus membros sobre casos de cartéis investigados entre
1996 e 2000, numa tentativa de conhecer melhor o dano deles decorrentes. Os países que responderam reportaram 119 casos
-em muitos dos quais foi impossível medir os danos. Foi possível,
entretanto, verificar que os 16 casos de cartel mais importantes envolveram um montante de comércio de US$ 55 bilhões em todo
o mundo. Concluiu-se, também,
que a margem de lucro dos cartéis
varia significativamente e em alguns deles pode chegar a 50%,
tornando claro que a magnitude
do dano dos cartéis é de muitos
bilhões de dólares anuais.
Um dos países mais bem-sucedidos em caçar cartéis são os
EUA. Seus casos mais importantes referem-se a lisinas, ácido cítrico, vitaminas e eletrodos de
grafite, cujo comércio afetado foi
superior a US$ 45 bilhões e o dano
estimado foi de cerca de US$ 1,3
bilhão. As sanções aplicadas foram multas de quase US$ 2 bilhões e prisão para 13 executivos
das companhias envolvidas.
No Brasil, não temos ainda sido
muito efetivos na identificação e
na punição de cartéis. Condenamos até hoje dois cartéis: o do aço
e o de postos de combustíveis de
Florianópolis. O caso do cartel de
aço ilustra como o controle de
preços no Brasil foi pernicioso e
como ainda continua produzindo
seus efeitos deletérios. As três empresas envolvidas pediram audiência ao secretário da Seae e comunicaram que na semana seguinte elevariam os preços de
seus produtos igualmente, como
estavam habituadas a fazer antes
da liberação de preços. Foram, na
ocasião, advertidas da infração
que estariam cometendo, caso assim procedessem, e, a despeito
disso, fizeram o anunciado.
Um outro caso na mesma linha
ocorreu em 6 de fevereiro de 1999,
quando os principais jornais do
Rio de Janeiro anunciaram na sua
primeira página que o seu sindicato havia deliberado por um aumento de 20% no preço dos jornais a partir daquela data.
Esses são dois exemplos de como a antiga sistemática de controle de preços adotada pelo governo brasileiro, de sentar-se à
mesa com produtores para determinar preços em conjunto, provavelmente continua prevalecendo, mesmo anos depois do fim do
controle de preços no Brasil. Esses
dois casos, todavia, são exemplos
do que poderíamos chamar de
cartéis tolos: por hábitos antigos,
anunciaram à autoridade ou publicamente que estavam cometendo a infração.
O mesmo não ocorre, entretanto, em outros casos de cartel investigados pelo SBDC (Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência), como o caso de postos de
combustíveis de Florianópolis, já
julgado, ou os de Salvador e Brasília, a serem julgados, ou ainda o
complô de gerentes de vendas de
algumas empresas farmacêuticas
contra os remédios genéricos.
Seus autores, reunidos em segredo, sabiam estar cometendo uma
infração à ordem econômica.
Ameaças de morte contra não-seguidores do cartel são frequentes. Não podemos nos esquecer
do assassinato do procurador que
investigava em Belo Horizonte o
cartel de falsificação de gasolina,
que nada mais é do que uma forma disfarçada de aumento de preços. Muitos casos semelhantes a
esse podem ocorrer em associações e sindicatos de produtores.
Reúnem-se, começam a conversar sobre amenidades, e logo a
conversa deriva para os preços de
seus produtos, numa verdadeira
conspiração contra o povo.
O combate a essa infração administrativa e criminal à ordem
econômica só será mais efetivo no
Brasil se os órgãos de defesa da
concorrência forem dotados de
maior capacidade de investigação. Nos países em que cartel é
crime, o aparato policial e de procuradores trabalha com os órgãos
de defesa da concorrência, ampliando as possibilidades de investigação. No período recente, tivemos algumas experiências que
demonstram como esse trabalho
em conjunto pode frutificar. Foram, no entanto, colaborações
eventuais, que, para ser mais eficazes em outros casos, têm que se
tornar institucionalizadas.
Claudio Considera é secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.
Hoje, excepcionalmente, a coluna de Luiz Carlos Mendonça de Barros não é
publicada.
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