São Paulo, Sábado, 31 de Julho de 1999
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LUÍS NASSIF

O contencioso com a Argentina

A vitória obtida pelo Brasil, no contencioso comercial com a Argentina, foi o primeiro episódio concreto, em muitos anos, de ação articulada entre ministérios econômicos, Itamaraty e setores empresariais, em defesa de interesses comerciais brasileiros.
Desde o desastroso Acordo de Ouro Preto -negociado por Ciro Gomes e Winston Fritsch em 1994- o governo aceitou passivamente todas as imposições comerciais de parceiros, sem esboçar uma linha de defesa minimamente articulada, enquanto o desemprego ia grassando solto. Daí o corte representado por esse episódio.
Os ministros tomaram posse na terça feira, dia 20. Na quarta, Clóvis Carvalho, novo ministro do Desenvolvimento, pediu a Botafogo Gonçalves, da Câmara de Comércio Exterior (Camex), que elaborasse uma nota dura em relação às salvaguardas argentinas. Botafogo preparou a minuta e combinaram acertar o jogo com o Itamaraty. Na conversa entre Clóvis e o ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, ficou acertado que a divulgação da nota seria sexta-feira, dia 23. Coube ao próprio Botafogo fazer a ponte com o Itamaraty, por meio de Graça Lima, o embaixador que está acompanhando o contencioso.
Na quinta, Botafogo e Graça Lima combinaram duas notas, uma dura, outra mais diplomática. Na sexta, Clóvis e Lampreia almoçaram e aproveitaram para articular a ação conjunta.
Na própria sexta, FHC deu sinal verde para que os novos ministros da Agricultura, Pratini de Moraes, e Integração Nacional, Fernando Bezerra, entrassem no assunto, com um decibel acima do de Clóvis, para sinalizar para a indústria e agrobusiness que a disposição do governo era entrar firme na disputa.
Na segunda feira, 26, batedores do Itamaraty recolhiam sinais de que a Argentina tinha acusado o golpe e seus diplomatas já estavam trabalhando em uma saída. Na terça, dia 27, Clóvis e Lampreia voltaram a conversar por telefone, satisfeitos com os primeiros resultados colhidos. "Meu pessoal me disse que no fim-de-semana você continuou soltando os cachorros", brincou Lampreia com Clóvis. E Clóvis: "Imagina, eu apenas soltei os poodles. Os rottweiller eu deixei guardados no canil, por enquanto".
Enquanto Brasília e setores empresariais emitiam sinais de fumaça, convocando para a guerra comercial, Graça Lima mantinha os canais abertos com o ministro da Fazenda argentino, Roque Fernández. Embora em tom mais diplomático, o Itamaraty passou o recado claro de que a manutenção das salvaguardas argentinas dificultaria qualquer conversa.
Na terça, 27, FHC convocou a reunião com os ministros para o dia seguinte e aproveitou a posse do novo presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Renan Proença, para orientar os ministros para que estimulassem os empresários a sair maciçamente no mesmo diapasão do governo.
Na quarta, 28, houve a reunião no Planalto, com todos os ministros envolvidos -o chamado grupo desenvolvimentista, com Clóvis, Pratini e Bezerra, mais Lampreia e o ministro da Fazenda, Pedro Malan.
Na quinta, Menem se propôs a vir, sinalizando que o governo argentino estava disposto a rever a posição. A impressão no Planalto é que Menem pessoalmente avaliou a gravidade da situação e resolveu trazer para ele a solução do problema. No encontro, foi combinada a reunião conjunta entre Clóvis, Malan, Botafogo e Graça Lima com a equipe argentina. E decidiu-se pela nota conjunta, entre FHC e Menem, na qual se acertou a posição divulgada.

Mappin
Analistas sem visão de mercado, que se movem exclusivamente em cima de posturas ideológicas, sem nenhuma visão técnica de processos de reestruturação de empresas, determinaram o fim do Mappin.
A posição primária e inconsequente de confundir processo de reestruturação com operação hospital intimidou gestores públicos de pouca coragem, que se recusaram a participar do plano de aportar recursos para o fornecimento de mercadorias em consignação para a empresa -que daria tempo para preparar a sua venda para compradores externos.
Numa penada só, houve perda de R$ 500 milhões -a diferença entre o Mappin funcionando e o Mappin fechado-, de toda uma organização, com marca, know-how, rede de fornecedores e 9.000 postos de trabalho.
Esse é o "custo mídia" -um dos componentes mais fortes e menos analisados do "custo Brasil".


E-mail: lnassif@uol.com.br



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